Por  (Ada Fernanda Tigre)*

 

As lembranças da infância sempre nos parecem as mais doces. Ao menos isso posso afirmar no auge dos meus “25 anos de sonho e de sangue e de América do Sul”, como cantou Belchior. Que a memória nos trai é fato, mas ela também nos acaricia quando nos dá o dom do esquecimento, e, melhor do que isso, ela seleciona as memórias que nos interessam, e apenas as que nos interessam carregamos conosco pela vida.

Lembro-me de mostrar os dedos das mãos quando as pessoas perguntavam minha idade e da sensação que tive ao me dar conta que os dedos das mãos já não eram suficientes para dizer. Não que aos dez anos eu não soubesse fazer a conta e dizer com palavras – e eu sempre adorei as palavras, mas com os dedos das mãos a resposta me parecia mais certeira.

Hoje, com essa lembrança e os pingos da chuva da manhã que aqui brilharam refletindo os tímidos raios do sol, me peguei olhando para as minhas mãos mais uma vez e a conta já era outra. Provavelmente esta cena se repetirá aos 50, aos 75 e quiçá aos 100, mas aqui o que interessa é a alegria que sinto ao constatar para além da idade que já não tenho dedos que contem com quantos amigos leais posso contar, e a isso celebro e agradeço.

Também não há dedos que contabilizem as tantas e tantas vezes que ri alto e descontroladamente ao lado de pessoas amadas. Isso me interessa mais. Já não tenho dedos que contem as viagens e os aprendizados destas. O repertório de canções já ultrapassam os dedos, o de poesias também.

Os projetos que fiz para o futuro, são sonhos tão lindos e grandiosos que seria preciso os dedos do mundo inteiro. As tardes que passei apenas sendo, existindo, respirando e sentindo o vento certamente não podem ser contabilizadas nos dedos.

 Os momentos de amor e paz em família – não há dedos. A tudo isso, celebro e agradeço.

Aprendi com a poesia a amar as coisas pequenas, aquilo que é delicado e aparentemente insignificante. A tratar as palavras com um profundo respeito, e ouvir com atenção por menos que me digam – é possível também ouvir os silêncios. Aprendi. Com a música aprendi que linguagem é tudo e está em tudo, basta sentir.

Aprendi com a militância a não me submeter. Aprendi na graduação, entre outras coisas, que é importante pensar no social, e a isso me dedico e me orgulho da profissão que escolhi. Aprendi com a minha família que amar apenas não basta, é preciso ser tolerante com as pessoas.

 Com meus amigos aprendi que é possível amar todo tipo de gente, e que achar que existem “tipos de gente” para então amá-l@s é pré-conceito, toda gente é ser humano. Aprendo também coisas, as mais diversas, com as árvores, as nuvens, a lua, os rios, o mar, os pássaros, as montanhas e tudo que existe.

Para hoje não desejo nada além do substancial. Também não me considero no direito de desejar nada, já nasci e já estou aqui e isso já é muito. O dia em si já é suficiente, a vida é fluída. Tudo o que podia querer a vida já me dá, e pasmem, com privilégios. Apenas celebro a existência. O existir é para mim, sagrado. E agradeço à vida por essa complexidade toda que é sermos human@s, essas criaturas tão maravilhosas. Agradecer é precioso e é por isso e muito mais que hoje apenas celebro e agradeço!

Texto publicado originalmente no blog da autora:    http://adafernandatigre.blogspot.com.br/

 

 

*Ada Fernanda Tigre, estudante no curso de Licenciatura plena em História na Universidade do Estado da Bahia, 25 anos, natural de Itapetinga-Ba e residente em Teixeira de Freitas há doze anos. Capricorniana, não que isso lhe defina. Poeta nas horas em que vaga, e viajante no mundo e nas idéias. Acredita que todo lugar é casa e que toda gente é família, embora veja nas suas o solo mais seguro para fincar raízes. Vive com os pés no chão e a cabeça na lua, o que deixa alguns hematomas. Cultiva o gosto pela música, especialmente a brasileira, e por bons livros aqueles que merecem releituras. Curiosa de fotografia, culinária, linguagens, cinema e permacultura. Socialista e Feminista, por convicção, mas não só. Acredita no poder da transformação humana e na luta.

 

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