Por Daniel Rocha

A abolição da escravatura no Brasil não foi fruto apenas da assinatura da Lei Áurea em 1888, mas também da luta e resistência dos negros escravizados em todo país. Revoltas, atos violentos, rebeliões, fugas e insurgência foram formas mais recorrentes de resistência da população negra.

Elementos dessa forma de resistência negra podem ser conhecidos através dos registros jornalísticos e policiais da época, como por exemplo, do assassinato de José Antônio Venerote “o fazendeiro mais próspero e poderoso da Colônia Leopoldina” ,Helvécia, em uma roça na Fazenda Mutum, interior de Nova Viçosa/Caravelas, ocorrido às margens de uma estrada da propriedade.

De acordo com o trabalho de Tadeu Caires, tudo começa no dia 13 de abril de 1884, antes do início da colheita do café, principal produto de exportação da fazenda Mutum, quando 15 escravos fugiram da propriedade e dias depois, 25 de abril, uma emboscada levou a morte Antônio Venerote.

As suspeitas recaíram sobre os escravos fugitivos e ficaram ainda mais fortes depois do depoimento de seis mulheres escravas que haviam fugido com o restante do grupo retornaram à fazenda dois dias depois do crime dizendo que  tinham se separado do conjunto que tomou destino ignorado.

Ouvidas pelo investigador, delegado Euzébio da Mota Veiga, além dos detalhes da fuga disseram que fugiram para não servir mais ao seu senhor, “pois não passariam bem na fazenda” e que o ato de rebeldia tinha como finalidade forçar sua venda para outra fazenda.

A mesma alegação foi usada pelos os escravos fugitivos Anselmo, Leonardo, José, Rodolfo, Cristiano, Valério e Semião,solteiros com idade entre 25 e 46 anos,  que quando capturados, quarenta dias após o crime, negaram qualquer participação no ocorrido reforçando o argumento que fugiam dos maus tratos do senhor.

Diante disso, algumas suspeitas passaram a ser lançadas em relação aos fazendeiros vizinhos desafetos de Venorote. Um depoente ,por exemplo, destacou que durante o enterro do fazendeiro disse ter reparado e ouvido no cemitério uma escrava de nome Thereza falar em voz alta falar as seguintes palavras: “de todos os brancos que aqui estão, a maior parte está gostando da morte do meu senhor”.


Casa de Câmara e Cadeia de Nova Viçosa

Contudo, semanas após serem levados para a Casa de Câmara e Cadeia de Nova Viçosa, os escravos confessaram o crime apontando o jovem fazendeiro Francisco Ferreira da Câmara como o mandante. O fazendeiro rival convenceu o grupo que encontrou em sua propriedade os negros fugindo dos “maus tratos” e tramou o crime para vingar o pai falecido e a irmã insultada por Venerote.

O caso finalmente veio a júri nos dias 10 e 11 de abril de 1886. Assim que foi pronunciado e notificado como réu, Francisco Ferreira da Câmara fugiu. Os escravos acusados foram a júri popular na data marcada. 

Na falta de um advogado os negros tiveram o padre Geraldo Xavier de Sant’Anna como defensor, um abolicionista de grande destaque na região. Julgado seis anos depois do ocorrido Francisco Ferreira da Câmara foi inocentado sob protesto da viúva da vítima. Dessa forma, somente os sete escravos condenados pagaram pelo crime que supostamente cometeram.

Apesar do fim trágico para ambos, escravos e o fazendeiro, é interessante observar que a fuga no momento de maior necessidade, colheita, mostra a percepção dos escravizados sobre a importância de sua força de trabalho para economia e produção. A fuga tornava o uso da força escrava um negócio pouco lucrativo.

Fontes:

SILVA. Tadeu Caires. A rebeldia escrava e a derrocada da escravidão na Colônia Leopoldina (1880-1888).

ALANE. Fraga do Carmo. Colonização e escravidão na Bahia:

A Colônia Leopoldina (1850-1888).

MIKI.Yuko. Frontiers of Citizenship: A Black and Indigenous History of Postcolonial Brazil. 

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