Por Daniel Rocha

Até a década de 1960, a estrada de chão Cascata -Caravelas que corta o limite sul da comunidade Araras, situada a 17 Km da cidade de Teixeira de Freitas,BA, também serviu aos estudantes das adjacências que se deslocavam até a escola da Faz. Cascata para serem alfabetizados. No local, além das lições da professora, os alunos também conheciam outras representações da fé e dos ritos locais. 

Em 2014, por exemplo, o Senhor Salvador Anunciação, de 65 anos, então morador em Teixeira de Freitas, relatou em uma conversa informal sobre uma longa estiagem que assolou a região na década de sessenta, 1964. Na época o era criança e morava com a família na comunidade “Araras” e  estudava na Fazenda Cascata, já que não havia escolas na comunidade e nem transporte escolar para levá-los até o local. 

Por essa razão, tinha como rotina andar 1 KM todos os dias pela histórica estrada para poder frequentar as aulas da professora “Lurdes”, única professora das adjacências. Foi nessa escola que concluiu todo o ensino primário, o que era, naquela época, considerado uma vitória. 

Para além da rotina de estudante na escola, relatou o senhor Salvador da sua interação com os colegas, professor, tradições e a cultura do lugar, que, apesar de estar distante a poucos quilômetros da fazenda Araras, tinha suas especificidades, como a que percebeu durante a longa estiagem que assolou a região e  que levou ao desespero e preocupação aos agricultores moradores daquela parte rural do hoje território teixeirense. 

Relatou que a seca do Rio Itanhém fez com que os moradores da Fazenda Cascata a recorrer às suas tradições e rituais comuns entre as localidades como solução para o problema. Como a de levar a imagem do santo de devoção ao leito seco do rio para entoar cânticos, rezas e orações. 

Na Fazenda Cascata o ritual fazia parte da aula e começava com a retirada da imagem de São José da capela, no final da tarde, sempre com muito cuidado e respeito de todos (as) presentes. Em seguida, a imagem era levada e acompanhada pelos(as) devotos(as) obedecendo uma programação de cânticos e rezas, até uma pedra no meio do rio, que se encontrava seco. 

A cerimônia era liderada pela professora da escola, também conhecida como “Lurdinha”. No destino dos devotos, o Rio Itanhém, os “pés” da imagem eram molhados na pouca água corrente, em companhia de orações e pedidos de chuvas urgentes. O mesmo ritual era feito pelos moradores (as) da fazenda Arara, de modo que lá o santo de devoção era o São Benedito. 

De acordo com o ex-aluno, no momento da cerimônia, não se faziam permissões às brincadeiras e/ou às falas desconexas. Perguntado se o ritual trazia o resultado desejado, Salvador afirmou que funcionava “porque a fé das pessoas era muito forte e não interferia na crença do santo da sua comunidade, pelo contrário, fortaleceu ainda mais os laços da fé que eram comuns entre os moradores. 

Segundo José Sérgio, atual responsável pela Fazenda Cascata, em uma conversa informal em 2014, o ritual não era tradição de períodos de seca e nem era orientação da Igreja. Foi uma atitude de desespero dos(as) moradores(as) que estavam acuados pelas dificuldades geradas pela estiagem que ocorreu em 1963. “Desesperados com a estiagem chegaram a trazer a imagem de São Bernardo de Alcobaça para uma procissão na fazenda”. 

Dessa forma, os fatos relatados nestes e nos outros textos, deu mostras de como a estrada movimentou transformações comerciais e também culturais permitindo novas formas de visualização do mundo e, aparentemente, uma   mistura cultural e o surgimento de novas formas de socialização. 

Daniel Rocha*

Historiador graduado e Pós-graduado em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X.  Contato WhatsApp: (73) 99811-8769 e-mail: samuithi@hotmail.com 

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