Por Lizete Caires e Daniel Rocha *

O Brasil, desde sua gênese (chegada dos europeus portugueses em 1500), sofreu pela falta de um sistema sanitário e de saúde publica e gratuita que abarcasse a todos. Segundo Arantes (2018): “A medicina europeia chegou ao Brasil a bordo das caravelas de Pedro Álvares Cabral. Entre os principais integrantes da expedição desembarcou, em abril de 1500, João Faras, médico, astrônomo e astrólogo judeu, íntimo do rei D. Manuel I. Mas, se a chegada foi precoce, a disseminação dos saberes médicos e a aceitação da autoridade médica pela população constituiu um processo lento, com altos e baixos, que, de fato, só se completou ao longo do século 20”. (p. 01). 

Para suprir as necessidades de cura dos muitos males que assolavam as populações que viviam em diversas partes na América Portuguesa e no Brasil Império e República, buscavam-se os trabalhos de cura ofertados por curandeiros. Segundo Greco e Matos (2009), apud Ferreira (1993), “curandeiro é “o que cura por meio de rezas e feitiçarias”, e curandeirismo é “a atividade ou conjunto das práticas dos curandeiros.” Considerou-se curandeiro aquele que diz curar por meio de rezas e/ou benzeduras, feitiçarias, chás, raízes e garrafadas e curandeirismo todas essas práticas”. (p. 02). 

Segundo Campos, Lorenzoni e Lima (2020), “Dessarte, pode-se dizer que o curandeirismo aborda um conjunto de práticas populares diversas da medicina oficial, por meio das quais o curandeiro busca sanar os males de seus pacientes. Para tanto, o responsável por esse tipo de tratamento baseia-se em saberes tradicionais passados de geração a geração, que compreende desde o uso de substâncias provenientes da natureza até a prática de rituais religiosos, mágicos e outros que entende como eficazes para a recuperação dos enfermos”. (p. 03). 

Geralmente, os Curandeiros atendiam as populações de baixa renda, realizando as curas das muitas doenças com rezas e remédios a base de plantas medicinais colhidas na flora brasileira. Esses profissionais eram habilidosos no conhecimento das funções curativas através das raízes e plantas. Mesmo prestando um trabalho essencial para as comunidades ao seu redor, esses profissionais sofriam ataques preconceituosos de diversos setores sociais e também da justiça brasileira ao longo da nossa história como é o caso da Curandeira Ana Rebouças, relatado por um Jornal regional em 1970. 

Em agosto de 1970 o delegado de polícia de Medeiros Neto, sargento Theones Soares da Fonseca, chegou à cidade prometendo elevar o município a um “foro civilizado”, discurso ligado à repressão em curso no governo militar. A rotina do lugar entrou definitivamente no ritmo que seguia o país após o golpe de Estado de 1964 que instaurou a Ditadura no país. 

Na sua primeira atuação, o delegado proibiu a livre circulação de mulheres “prostitutas” pelas ruas durante o dia e noite e repreendeu cidadãos denunciados com contraversões. Seguindo a linha jogo duro e após receber uma queixa da senhora Maria Silva contra a curandeira Ana Rebouças, que segundo “vivia enganando o povo com feitiçaria” mandou instaurar um inquérito para apurar o caso. 

Constatando que havia veracidade na denúncia, o delegado ordenou uma busca na casa da curandeira apreendendo os móveis que segundo a denúncia “havia sido surrupiado de Maria Silva com a alegação de que os mesmos estavam enfeitiçados e não prestavam mais para sua dona”. 

“Muito conhecida na cidade e em toda região, onde “arrancava dinheiro e bens de pessoas encantadas e até mesmo de gente esclarecida”, a acusada Ana Rebouças teve “seu Laboratório de feitiçarias” desmontado pela polícia. Noticiou o jornal da época. 

Ainda de acordo com a construção narrativa do Jornal, antes de ser levada à cadeia, a curandeira tentou fugir da polícia como pôde. Chegou a ausentar-se de Medeiros Neto por alguns meses, “esperando a coisa esfriar”. 

A feiticeira foi presa ao retornar a cidade e processada na forma dos artigos 284 e 168 do então Código Penal Brasileiro. O jornal ao qual extraímos essa informação não traz a versão da chamada curandeira e nem da defesa. Teria o discurso de que a cidade seria transformada em um lugar “Civilizado” influenciado a interpretação e julgamento da denúncia? Também não há dados sobre isso. 

Os Curandeiros sempre enfrentaram diversos obstáculos para realizar seus trabalhos por parte da sociedade, dos órgãos judiciais e dos médicos. Em muitos momentos esses profissionais eram levados às instancias judiciais por algum cliente não satisfeito com o resultado do trabalho recebido; por algum vizinho preconceituoso ou por algum profissional médico que não concordava com o trabalho realizado através das práticas curativas tradicionais. 

O combate e a perseguição aos curandeiros, em muitos momentos sendo chamados pejorativamente de “Charlatães” por parte de setores da sociedade de cada época não conseguiu barrar a sua presença no cotidiano dos mais diferentes grupos sociais e étnicos da sociedade brasileira, sendo que o prestígio e atuação de muitos desses profissionais que, como vimos o caso de Ana Rebouças, que buscou realizar suas artes de curar, mesmo tendo todos os obstáculos e denuncias que atingiram a sua pessoa na atuação do exercício curativo. 

Referencias: 

ARANTES, José Tadeu. A prática médica no Brasil Colonial. Agencia FAPESP. Janeiro de 2018. Disponível em: https://agencia.fapesp.br/a-pratica-medica-no-brasil-colonial/26987/. Acessado em: 30-09-2021. 

GREGO, Rosangela Maria; MATOS Izabela. Curandeirismo e Saúde da Família: conviver é possível? Revista APS, v.8, n.1, p. 4-14, jan./jun. 2005.  Disponível em: https://www.ufjf.br/nates/files/2009/12/Curandeirismo.pdf. Acessado em: 30-09-2021.  

CAMPOS, Ludimila Calimam; LORENZONII, Lara Ferreira; LIMA, Aline Magdalão da Fonseca. CURANDEIRISMO NO BRASIL: UMA ABORDAGEM HISTÓRICOJURÍDICA NA TRANSIÇÃO PARA A REPÚBLICA. Revista   Regens  Thréskeia – 2020 – U F P R. V.09N2 (2020)–pp. 2 2 5 a 2 4 1. Disponível em: file:///C:/Users/35/Downloads/75329-307368-1-PB.pdf. Acessado em: 30-09-2021.  

Curandeira às voltas com polícia em Medeiros Neto. Jornal FN. Agosto de 1970.

Lizete Caires*

Graduada em História pela Universidade do Estado da Bahia -Uneb. Bacharelada em Serviço Social pela Universidade Pitagoras Unopar. Pós graduada em Gestão e Organização da Escola pela Universidade do Norte do Paraná-Unopar. Graduanda em Pedagogia pela Universidade do Norte do Paraná-Unopar. Professora da Rede Municipal de Ensino de Teixeira de Freitas e Medeiros Neto Bahia.

Daniel Rocha da Silva*

Historiador graduado e Pós-graduando em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X. Contato WhatsApp: ( 73) 99811-8769 e-mail: samuithi@hotmail.com

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Texto: pesquisa realizada por Daniel Rocha e Lizete Caires.

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