Erivan Santana*

Yaroslav Victor estava feliz, acabara de se formar clínico geral em uma conceituada universidade de São Petersburgo. Planejava o seu casamento com a jovem enfermeira Natasha Svetlana, e irem morar em Moscou.

Entretanto, o seu sonho foi interrompido, com a declaração de guerra da Alemanha à União Soviética, em 22 de junho de 1941. Poucos dias depois, o recém formado médico fora convocado para servir em Stalingrado, numa das maiores batalhas já travadas na Segunda Grande Guerra.

A despedida de Yaroslav de Natasha na estação de São Petersburgo foi traumática, depois que soube que ela estava grávida, já de dois meses. O médico russo e seus companheiros iam se distanciando cada vez mais dos familiares que ficavam na estação, até se perderem na extensa neblina que cobria a linha férrea,

A entrada da União Soviética no conflito foi de suma importância para a vitória dos aliados, principalmente depois da rendição da França e de uma Inglaterra quase rendida ao exército alemão.

A batalha em Stalingrado foi memorável. Apesar da força bélica dos alemães, os russos resistiram bravamente. Os únicos momentos de felicidade de Yaroslav era quando recebia uma correspondência de Natasha, que com o prolongamento do conflito, iam ficando cada vez mais esporádicas.

Ao findar o ano de 1941, Yaroslav recebeu a notícia do nascimento do seu filho, Andrei. Foi um momento de grande felicidade, mas também de sofrimento, pois não pôde ir ver o menino. Além do mais, não sabia se iria sobreviver e retornar.

A esta altura, Stálin era reconhecido pelo povo russo e pelos estadistas das forças aliadas, como um grande estrategista, posto que não somente resistiu e venceu a batalha de Stalingrado, como foi importante força de equilíbrio, nos momentos cruciais em que os Aliados estavam em desvantagem.

Com o sucesso do famoso “Dia D”, no litoral da Normandia, o desenlace do conflito se aproximava, sobretudo, com a libertação da França. Yaroslav temia pela sua vida. Diante da selvageria do conflito, pensou que nunca mais veria Natasha novamente, e conheceria o seu filho.

Assim como esta história, há tantas outras, tristes, melancólicas, traumáticas. Depois da Segunda Guerra Mundial, o mundo não seria mais o mesmo, sobretudo, a Europa. Ali, a terra, as vidas, os sonhos, foram devastados.

O conflito final ficou reservado à batalha de Berlim. Mesmo cientes de que dificilmente resistiriam, os alemães não se entregavam. A capital alemã sofria pesados bombardeios da força aérea americana, amparada pela ofensiva soviética, em terra. Foram intermináveis dias de luta.

Yaroslav estava exausto, no limite de suas forças, vendo muitos compatriotas morrerem ao seu lado, outros sob seus cuidados. Ainda assim, conseguiu salvar muitas vidas. Os combates em Berlim passaram a ser corporais, diante da recusa alemã em se render.

Finalmente, com as forças humanas e bélicas totalmente exauridas, e com o suicídio de Hitler, o alto comando alemão se rendeu em Reims na França, a 7 de maio de 1945.

Dias depois, Yaroslav conseguiu retornar a São Petersburgo, depois de uma longa e penosa viagem, para reencontrar a sua amada e seu filho, numa das poucas cenas felizes registradas neste triste e medonho conflito que marcou a história mundial para sempre.

Em Berlim, no portão de Brandemburgo, a jovem oficial Ana Pavlovena dirigia o trânsito, soldados do exército vermelho controlavam a cidade, e a bandeira soviética tremulava no alto do Reichstag alemão, sob o frio do intenso inverno europeu.

Erivan Santana é professor, escritor e poeta*

O conto “O médico do exército vermelho”, recebeu menção honrosa no VI Prêmio Castro Alves de Literatura 2022

Compartilhar: