Por Daniel Rocha
Até a década de 1970 o local onde hoje fica o bairro Recanto do Lago, no então povoado de Teixeira de Freitas, Bahia, ainda era uma érea praticamente desabitada, pois existiam no local apenas o recém-construído hospital Sobrasa e algumas poucas casas, pertencentes aos primeiros moradores do bairro.
Moradores como o senhor Júlio Elias, que em 2012 narrou para o site, em forma de causo, um acontecimento espinhoso que teve com o proprietário do hospital, DR Rafael, que era defensor da natureza e metido a dono do bairro.
Conforme lembrou o senhor Júlio Elias, naquela época o bairro Recanto do Lago era um lugar com poucas condições e estrutura, por isso os moradores se valiam de uma pequena área verde que ficava localizada no fundo do Clube Jacarandá, e outras partes, onde costumavam extrair um pouco de tudo para o dia-dia como, por exemplo, lenha para o fogão de barro e água de um minadouro próximo, “Bica”, para beber e lavar roupas e utensílios.
Além disso, contou, no quintal das casas os moradores também cultivavam hortaliças e criavam galinhas, patos e porcos e que para manter as criações era preciso ficar atento as ameaças de alguns predadores existentes no lugar como cobras, lagartos e gaviões.
Detalhando esse tipo de estresse, contou que nos idos do início da década de 1970, um gavião astuto vinha provocando raiva nos moradores locais com constantes ataques às criações, doméstica, galinhas e patos, tendo inclusive invadido seu quintal. E cansado de levar prejuízos, não teve outra saída a não ser caçar o bicho usando sua velha e boa espingarda de caça.
— Numa tarde fiquei de tocaia na mata, sabia onde ele gostava de pousar, gostava mesmo era de descer na capoeira perto do hospital. Foi ele vacilar e o tiro comer, pá, pá, pá… Caiu o desgraçado.
Narrou seu Júlio que quando estava recolhendo o que sobrou da ave, foi surpreendido por um homem, Dr. Rafael, que era oriundo da cidade de Nanuque e proprietário do Hospital, e chegou dirigindo um Jipe.
O doutor, conforme detalhou Júlio, estava acompanhado de uma moça que de tão parecida com o médico entregava ser filha. Diante do caçador, da arma e do gavião abatido, indagou o doutor:
— Então é o senhor que anda matando os bichos da redondeza. Não sabe que é proibido caçar por aqui? Não sabe que este bicho é importante para natureza? Não sabe ser ele que come as cobras peçonhentas que nos ameaça? Dá cá essa arma… Vou te levar direto para delegacia!
Se sentido ameaçado e acuando pela presença do morador rico, o senhor Júlio se valeu das únicas coisas que tinha disponível para se defender, as suas palavras:
— Justamente, disse Júlio, o senhor tem razão, não se podem matar os bichos, este mesmo eu matei porque anda comendo minhas crias, se não fosse por isso não tinha feito. Eu não sabia da proibição não.
Tentando – lhe tomar a arma, o doutor, que havia descido do automóvel, o ameaçava levar para as autoridades alegando o ter flagrado caçando animais em área proibida. Porém, resistindo e com respostas prontas na ponta da língua, o senhor Júlio discordava do seu acusador, indagando sem parar suas afirmações.
— Justamente, agora sei que aqui é proibido, de hoje em diante se “arguem” me pegar aqui caçando eu posso ir preso, mas até este momento eu não sabia, então eu não posso ir preso por causa disso não”.
Com persistência, o doutor puxava o caçador pelo braço, olhando para o sentido contrário dos acontecimentos a fim de encontrar alguém de força para ajudar levá-lo a polícia local. Contudo, a filha que acompanhava o pai doutor, ao analisar os fatos, tomou a parte do trabalhador advogando em sua causa dizendo:
— Papai, este homem tem razão, ele não sabia que era proibido, não há placas de aviso, portanto ele não é culpado.
Àquela altura, depois de alguns minutos pensando, o doutor deu por encerrado o embate e despediu-se com ameaças jurídicas e o aviso de que não haveria perdão na próxima vez que o encontrasse ali em tais circunstâncias.
— Desta vez o senhor encontrou um apoio, mas se voltar a cometer este erro vou te levar a polícia.
Depois que o então o doutor partiu com o seu Jipe barulhento, o caçador, ciente da nova “moda a ser seguida”, caminhou para a casa alertando os de dentro para não caçar mais naquela parte do bairro. “O doutor não gosta.”
Fonte:
Causos narrados por Júlio Elias em 2012.
Daniel Rocha*
Historiador graduado e Pós-graduado em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X. Contato WhatsApp: (73) 99811-8769 e-mail: samuithi@hotmail.com. O conteúdo deste Site não pode ser copiado, reproduzido, publicado no todo ou em partes por outros sites, jornais e revistas sem a expressa autorização do autor. Facebook
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