Por Daniel Rocha
Um documento oficial, uma declaração da Câmara Municipal de Alcobaça, datada de 16 de novembro de 1994, assinada pelo então presidente da casa legislativa, Valdir Lemos dos Santos, publicada pelo IBGE no livro – “Histórias das Estatísticas Brasileiras,” fala brevemente sobre a violência que emergiu no então povoado no final da década de 1950 e início da década de 1960, quando a localidade cresceu com a chegada de novos moradores.
Segundo consta na página destinada à memória do fundador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Mário Augusto Teixeira de Freitas (1890 — 1956) antes de ser assim oficialmente denominado em 1957 de Teixeira de Freitas, o então povoado era conhecido por apelidos e epítetos como Comercinho dos Pretos e Tira-Banha, esse último, como é de conhecido de todos, em referência a violência existente no lugar.
Ainda conforme o documento, o apelido de “Tira- Banha” era decorrente de brigas contumazes entre os trabalhadores das firmas madeireiras que circulavam pelo povoado frequentando bares, quase sempre no Cabaré de Teresa, onde um puxava faca para o outro e tentava acertar o oponente na barriga”.
O Cabaré, a que o documento se refere, é o pioneiro Café das Flores, que teria, segundo relatos, dado início a aglomeração de outros bordéis na mesma rua, originando assim a Rua Mauá, “Rua do Brega” que era de propriedade de uma mulher por nome Teresa.
O documento não fornece mais detalhes sobre a história das brigas no bordel de Teresa, mas o uso do termo “contumazes” sugere que as causas da violência eram vistas como um problema comum entre os trabalhadores e não como resultado de transformações causadas pela chegada de uma nova forma de exploração dos recursos naturais e do espaço comunitário que exigia intervenções públicas.
Essa narrativa oficial reforça a hipótese levantada pela historiadora Susana Ferreira de que o termo Tira-Banha está relacionado a vários episódios de violência ocorridos durante o crescimento do povoado fundado por Manoel de Etelvina, que teria sido vítima dessa tensão constante quando foi atingido por uma faca peixeira que lhe tirou as vísceras, daí o nome “Tira-Banha.”

Nota-se, no tom do documento que a narrativa oficial associou esses casos a questões pessoais, eximindo de responsabilidade o contexto de crescimento urbano e social desordenado e a formação de uma burguesia oriunda de outros lugares que teria reforçado a alcunha para designar o território que queriam tomar para si e seus interesses comerciais tal como a história de uma cultura de violência que se origina com o extermínio dos povos originários e opressão dos escravizados.
O trabalho de pesquisa de Francisco Denílson Santos de Lima, “A violência e o medo em Teixeira de Freitas-BA e seus reflexos nas formas de uso e percepções dos espaços livres públicos pela juventude” (2016), explica que o então povoado cresceu com base em uma ocupação desordenada da mata atlântica por serrarias que chegaram a partir do final da década de 1960.
Que estes elementos fizeram suscitar diferentes tipos de violência e conflitos no então povoado em um desenvolvimento orientado segundo os interesses da burguesia mineira e capixaba que buscava o lucro fácil e rápido por meio da exploração de um lugar que prometia ser uma potência regional futura rica em recurso naturais, madeiras nobres.
Para além disso, a historiadora Liliane Maria Fernandes Cordeiro Gomes observa também que o modelo de desenvolvimento adotado na época não apenas resultou na ocupação violenta da terra e na expulsão do homem do campo, mas também gerou uma desigualdade social crescente na região do extremo sul da Bahia. Que o suposto crescimento econômico de Teixeira de Freitas e região foi acompanhado por diferentes formas de violência e injustiça social que impactaram profundamente a vida das pessoas da região:
“O Extremo Sul da Bahia viu recrudescer, ao longo das décadas de 1960/1980 tensões sociais pautadas pela concentração de terra, violências no processo de aquisição das mesmas, êxodo rural”.
Em resumo, a violência em Teixeira de Freitas, BA, foi naturalizada pela declaração oficial, como algo comum à formação de uma aglomeração crescente de trabalhadores bestializados.
Enquanto a narrativa oficial eximia a responsabilidade da ocupação desordenada da mata atlântica e da formação da burguesia interessada na exploração rápida e fácil dos recursos da região, as classes dirigentes aspiravam ao discurso de que o desenvolvimento deveria ocorrer a qualquer custo.
No entanto, ao longo das décadas seguintes, cortejos fúnebres faziam lembrar que a chegada daquele modelo de desenvolvimento não trouxe o crescimento civilizado, mas sim a brutalidade e a violência para o cotidiano dos moradores, conforme a alcunha e o imaginário popular “Tira-Banha” sugere. No próximo texto, abordaremos a violência nos distritos e povoados que hoje integram o município.
Fontes:
LIMA. Francisco Denílson Santos de. A violência e o medo em Teixeira de Freitas-BA e seus reflexos nas formas de uso e percepções dos espaços livres públicos pela juventude. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) 2016.
Bernaski, J., & Sochodolak, H. (2018). História da violência e sociedade brasileira. Oficina Do Historiador, 11(1), 43-60.
GOMES, Liliane Maria Fernandes Cordeiro. Ditos e Não ditos: uma cidade em disputa pela memória.
Histórias das Estatísticas brasileiras. IBGE.
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Daniel Rocha da Silva*
Historiador graduado e Pós-graduado em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X.
Contato WhatsApp: ( 73) 99811-8769 e-mail: samuithi@hotmail.com
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