Por Daniel Rocha
( Continuação do texto anterior) Segundo consta no documento de acusação, o confronto entre o destacamento militar e a Escuna Mariana, uma embarcação mercante suspeita, ocorreu no dia 11 de maio de 1823 na então Vila de Caravelas.
Entre os tripulantes da embarcação suspeita estava o Tenente-coronel de Cavalaria Antônio José G. Loureiro, que havia sido expulso da província da Paraíba e tentava fugir para Portugal a partir de Salvador. Com a ajuda de amigos do exército lusitano, ele foi colocado na suspeita embarcação que chegou ao extremo sul do estado.
De acordo com a versão da acusação, descrita no documento do julgamento, quando a embarcação chegou a Caravelas, a tripulação entrou em confronto com o destacamento local, composto por soldados de origem portuguesa e negros escravizados, que, ao perceberem atitudes suspeitas, tentaram reter a escuna no porto.
No momento do ataque, cinco tripulantes que se mostraram contrários à independência resistiram à primeira abordagem até serem mortos, exceto José Loureiro, que foi detido e enviado a Vitória, capital da província do Espírito Santo, onde ficou preso após ser ouvido pelo Ministério de Guerra.
Outro documento oficial detalha o ocorrido, relatando: “À nossa Fuzilaria, dirigida pelo Comandante da Força Armada, matou o Capitão da Escuma, o Piloto e 2 marujos, ficando 3 feridos, negros escravizados, dos quais uma já morreu; os demais ficaram prisioneiros, destacando-se entre eles Antônio José Loureiro, que se inculca Tenente-Coronel, o qual foi remetido no dia 17 à cidade de Vitória…”
No entanto, em contrapartida à narrativa oficial sobre o enfrentamento na Vila de Caravelas, José G. Loureiro se defendeu das acusações feitas pelo comandante, apresentando uma versão diferente da primeira relatada brevemente.
Ele contou nos autos que estava na capital da província, Salvador, onde havia solicitado passagem para Lisboa “no primeiro navio que houvesse”. Sem sucesso, ele foi colocado por um amigo, o General Madeira (líder da resistência lusitana em Salvador), em uma escuna mercante que levava mantimentos para o sul da Bahia, na esperança de encontrar boa sorte lá.
No entanto, ao chegar em Caravelas, a embarcação foi surpreendida por um oficial e 30 homens armados e sem uniformes, que o violentaram e o levaram para uma cadeia “imunda”, onde sofreu maus-tratos e insultos públicos antes de ser levado preso no mastro de uma pequena embarcação em direção à capital da província do Espírito Santo, Vitória, onde foi entregue ao conselho de guerra para julgamento.
Ele também relatou que, enquanto esteve preso em Caravelas, foi constantemente ofendido pela população e ameaçado de morte dia e noite por um negro escravizado, sofrendo zombarias e ofensas, até ser entregue ao conselho de guerra de Vitória, que posteriormente o enviou para a prisão no Rio de Janeiro, onde foi julgado anos mais tarde.
Uma outra versão da acusação, baseada em um segundo testemunho, relata que tudo começou quando o acusado tentou erguer a bandeira do império português no local, substituindo a bandeira do reinado de Pedro I. Essa tentativa exaltou os ânimos e provocou a reação das forças locais e da população.
Ao avaliar as fontes e as informações apresentadas, conclui-se que tudo não passou de uma tentativa portuguesa de ocupar a principal cidade portuária mais equidistante do estado, usando um modus operandi já conhecido. Meses antes, por ordem do General Madeira, tropas portuguesas invadiram Caravelas e a Vila do Prado em busca de mantimentos para suas tropas aquarteladas em Salvador.
De acordo com um documento oficial de abril de 1823, uma lancha e uma embarcação, trazendo pessoas ligadas ao comando de Madeira, tomaram a Vila do Prado à força para obter mantimentos. Os invasores prenderam as principais autoridades locais que aderiram à Independência, impondo ordens à população e confiscando os portos. No entanto, as forças capixabas foram avisadas da necessidade de socorro às duas vilas baianas ocupadas.
“Uma lancha entrou no porto de Vitória trazendo a notícia”, destaca o documento, que não detalha quem foram os informantes que conseguiram chegar ao porto e alertar as forças militares. A tropa da província vizinha saiu em socorro do extremo sul, prendeu os invasores e libertou os moradores e os portos que haviam sido dominados, o que foi amplamente comemorado pela população local.
No final do julgamento do processo relacionado à tentativa de invasão da Vila de Caravelas, Antônio Loureiro foi absolvido em 1824, na capital do império, Rio de Janeiro, pelo Conselho de Guerra, que analisou cuidadosamente as narrativas apresentadas tanto pela acusação quanto pela defesa. Um jornal da época relacionou a absolvição à adesão do réu à coroa nacional.
A população local realmente abraçou a causa da independência, como sugerem os documentos oficiais? Como “o povo” e “O povo” se comportaram na região? Qual a diferença? Essas questões serão abordadas no próximo texto.
Daniel Rocha da Silva*
Historiador graduado e Pós-graduado em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X.
Contato WhatsApp: ( 73) 99811-8769 e-mail: samuithi@hotmail.com
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[…] No entanto, contrariando essa versão oficial, o depoimento do português Tenente-coronel Antônio José Gomes Loureiro, tripulante da escuna apreendida em Caravelas, prestado em juízo durante o julgamento do caso em 1825, apresentou uma outra versão dos eventos ocorridos, revelando detalhes que desmontam a versão oficial informada na carta….(Continua no próximo Texto) […]
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