Por Erivam Santana*
Acordei com o som rasante de um caça russo, sobre o prédio em que estou escondida. No dia anterior, perdi a minha família, com uma bomba que explodiu, onde estávamos. Uma mesa no meio da sala, me protegeu dos estilhaços e aqui estou. O cachorro da família, de nome Áquiles, é minha única companhia.
O teatro da cidade, onde me apresentava como bailarina, foi destruído, perdi muitos amigos; a cidade de Mariupol, tão cheia de vida, festejos e cultura, hoje não existe mais.
Na verdade, nós, ucranianos, temos o nosso destino ligados à Rússia, sabemos o quanto sofremos na Segunda Grande Guerra, quando perdemos metade da nossa população. É triste ver que a história se repete, a humanidade pouco evoluiu, este conflito é uma demonstração clara da falência da diplomacia, do diálogo, da civilidade.
É também um reflexo, em certa medida, da nossa vida em vários contextos sociais, mundo afora. Ironicamente, vivemos a era da internet, da plena comunicação em tempo real, e não conseguimos conversar, estabelecer um diálogo, principalmente com aqueles que pensam diferente de nós.
Tínhamos medo da implantação de bases da OTAN em praticamente todos os países do Leste Europeu, assim como do reiterado desejo do governo ucraniano em fazer parte da UE, ambos fatores que desagradam ao Kremlin, sabíamos que algo poderia acontecer, embora estas questões não justifiquem o ataque russo ao meu país, que na verdade, ocorre por interesses nacionalistas, e que não são necessariamente, o desejo de maioria da população, gente simples e humilde, envolvida neste conflito.
Mas o que podemos fazer com nossos celulares filmando todo esse horror, o que posso eu fazer ao escrever estas mal traçadas linhas? Chegará ela aos povos do Ocidente, e até mesmo ao nosso povo irmão russo? Estou sitiada e de uma certa forma, presa em meu próprio país, perdi pessoas queridas e minha vida corre perigo, estou por um fio, e digo: nada justifica a guerra. Nela, a população civil e os mais pobres são os que mais sofrem.
Guardadas as devidas proporções, eu sou uma nova Anne Frank, nunca pensei que poderia ver o que estou presenciando, nós, russos e ucranianos, somos descendentes de antepassados que nos contaram toda a triste história da Segunda Grande Guerra, especialmente o episódio da sofrida e penosa batalha de Stalingrado, onde a pátria mãe resistiu bravamente ao exército alemão. Nós, que tanto estudamos a história, para que os horrores da guerra não mais se repetissem, estamos vendo acontecendo aos nossos olhos, como em um terrível pesadelo.
Eu sou Sofia Haraldsen, tenho 26 anos e sou cidadã ucraniana. O céu, a atmosfera, o dia, tudo está cinzento e desolador; a morte e a destruição nos espreitam. Haverá um novo amanhecer em Mariupol?
*Erivan Santana é professor, cronista e poeta. Titular da cadeira 36 na ATL (Academia Teixeirense de Letras).
Deixe um comentário