Por Daniel Rocha
Em 23 de fevereiro de 1940, o Prado acordou envolto em luto. A notícia da morte de Dona Maria Ramos Horcades, figura querida e referência na cidade, espalhou-se pelas ruas de paralelepípedos, com orações e condolências trocadas entre vizinhos. Aquela comunidade, acostumada ao ritmo pacato, parou para homenagear alguém cuja casa, por anos, fora o centro de tantos encontros e alegrias.
A casa dos Ramos, palco de celebrações e encontros familiares, de conhecidos e vizinhos, transformou-se em um ambiente de despedida. Na sala principal, onde antes ecoavam risos e conversas, Dona Maria foi velada. Rodeada por flores frescas e por olhares emocionados de amigos, parentes e líderes religiosos locais, ela recebeu, mesmo após a partida, o carinho e a presença de todos.
O velório que varou a noite foi muito mais do que uma despedida; foi um ritual que reforçou os laços da comunidade, reafirmando o pertencimento e as tradições compartilhadas em vida, com muito chás, café e outras bebidas. Não faltou quem lembrasse da estimada mulher que, supõe-se, em meio às dificuldades sempre dizia: “Deixe estar, que nada me abala”, uma filosofia bem à moda do Prado da época.

Naquele tempo, a morte era vista não como um ponto final, mas como um elo entre o passado e o presente e os ritos fúnebres expressavam essa visão de cunho religioso. As velas ao redor do caixão não eram colocadas apenas para iluminar o corpo e o rosto sereno da antiga moradora, mas também os muitos momentos vividos ao lado dela e dos filhos no momento distantes.
O pesar pela perda de Dona Maria não se restringia ao Prado; mensagens de apoio chegaram de longe, de familiares e amigos que, mesmo à distância, se uniam ao luto. Esse gesto de empatia e união, mesmo a quilômetros de distância, revelava o quanto Dona Maria era estimada. Autoridades e moradores dos municípios vizinhos, Alcobaça e Caravelas, também estiveram presentes na missa de corpo presente realizada pelo vigário Antônio Avelino.
Além da família e amigos, autoridades e personalidades locais também prestaram suas homenagens, reforçando a importância daquela figura para o Prado. O cortejo, silencioso e respeitoso, atravessou as ruas da cidade na manhã seguinte até a igreja para a missa final, onde o corpo também ficou colocado à porta da igreja para as últimas despedidas antes de seguir ao cemitério.

A caminhada até o cemitério foi acompanhada por uma multidão que, em silêncio, manifestava seu respeito e gratidão. Os relatos da época mostram que pessoas de todas as classes sociais participaram dessa despedida, num ato de união que ia além das diferenças em um profundo sentimento de comunidade.
O historiador João José Reis, em “A Morte é uma Festa”, ressalta que, no século XIX, os ritos fúnebres eram mais que simples despedidas – eram momentos de reafirmação da coesão social. Embora a perda de Dona Maria tenha ocorrido quase na metade do século XX, podemos dizer que ela também se insere nesse contexto cultural conservador do Estado Novo, uma vez que a família era representante do varguismo na cidade, logo, de um discurso de colaboração de classes.
Em suma, o adeus a Dona Maria, cuidadosamente registrado pela imprensa da época, que reforçava o vies, foi mais que uma simples despedida. O velório, o sepultamento e as condolências trocadas tornaram-se um ritual coletivo, em que cada rosto presente, cada palavra de consolo e cada lágrima silenciosa expressavam um elo profundo. Assim como hoje, embora em outra intensidade, o luto ultrapassa a tristeza para se transformar em uma cultura viva, entrelaçada por memórias e valores que resistem ao tempo, tal como revelado pelo registro.
Por Daniel Rocha
Historiador graduado e Pós-graduado em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X. Contato WhatsApp: ( 73) 99811-8769 e-mail: samuithi@hotmail.com.
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Fonte: Jornal Folha da Manhã. Revista Brasil. Acervo Site Tirabanha
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