Por Daniel Rocha
Em 2016, o Tirabanha registrou relatos que remontam a um tempo em que o acesso ao Rio Itanhém era parte vital da vida cotidiana no pequeno povoado de Teixeira de Freitas (BA).
O acesso ao rio, que servia de fonte de abastecimento, lazer e sociabilidade, passou por transformações profundas a partir da chegada de migrantes agropecuaristas, modificando hábitos e redefinindo fronteiras entre o público e o privado.
Segundo narrativas de antigos moradores, em meados da década de 1960, agricultores vindos de diversas regiões da Bahia e de outros estados começaram a adquirir terras próximas às margens do rio, área onde hoje se localiza o bairro Colina Verde, com o propósito de investir em agricultura e pecuária. Essa movimentação marcou o início de um novo ciclo econômico e social, que alterou significativamente a dinâmica local.
O que antes era um espaço de uso comunitário, destinado à pesca, ao banho e à coleta de água na famosa fonte da Biquinha, passou a ser cercado e controlado por novos proprietários.
Para uma população que ainda não dispunha de sistema de abastecimento de água encanada, essas restrições representaram mais do que um incômodo: eram um golpe direto sobre um modo de vida tradicional.

Em depoimento concedido informalmente, o morador Santos Almeida, então com 65 anos, recordou o impacto dessa mudança: “Tem um morador conhecido na cidade que tem fama ruim até hoje por causa disso. O vaqueiro dele perseguia quem passava da cerca da fazenda para pescar no rio. Ele tomava a rede do pessoal e não deixava ninguém pescar.”
A mineira Rodrigues Aguiar, que chegou ao povoado na mesma década, reforça essas lembranças: “Os pau-mandados do fazendeiro batiam nos moradores que passavam da cerca. E ainda deixavam os coitados sem roupa, obrigando-os a se esconder na mata até escurecer para poder voltar pra casa.”
Entretanto, nem todos os relatos são convergentes. Matos Silva, natural de Medeiros Neto e residente em Teixeira de Freitas desde o início dos anos 1970, oferece uma interpretação diferente dos conflitos. Segundo ele, as tensões surgiram quando visitantes começaram a colher frutos e deixar as porteiras abertas, o que levou os proprietários a restringir o acesso para proteger plantações e rebanhos.
Foi nesse contexto de disputas e redefinições de território — especialmente após o bloqueio da margem esquerda do Itanhém — que os antigos frequentadores buscaram novos espaços de convivência.
Segundo os relatos, foi assim que nasceu a Prainha, um trecho do rio localizado ao lado da ponte da BR-101, batizado popularmente por causa do seu areal que lembrava uma pequena praia. O local se tornaria, nas décadas seguintes,1970,1980 e 1990, um dos principais pontos de lazer dos moradores.
O tempo passou, mas o hábito ficou. Até hoje, o local é frequentado por banhistas e pescadores. Nos verões mais quentes, famílias inteiras se espalham pelas margens do rio na Prainha, repetindo um ritual antigo.

Só que, junto com as lembranças, vieram também as preocupações. Em 2012, foram registrados dez afogamentos no Itanhém. O número assustou, e em 2013 a Defesa Civil lançou a campanha “Verão Sem Afogamentos”, que reduziu pela metade as ocorrências até 2015.
Mesmo assim, a história parece se repetir. O trecho do Colina Verde voltou a ser procurado, e os registros de afogamentos também aumentaram. Ainda assim, o Itanhém segue ali, o mesmo rio que alimentou, refrescou e guardou tantas memórias. Um espelho de água onde o passado e o presente da cidade continuam se encontrando.
Daniel Rocha da Silva – Historiador graduado e pós-graduando em História, Cultura e Sociedade pela UNEB – Campus X. Contato: WhatsApp (73) 99811-8769 | E-mail: samuithi@hotmail.com
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