Por Daniel Rocha

No início da década de 1970, estava em construção a BR- 101 no sul da Bahia, obra executada pelo governo militar, sob um viés desenvolvimentista, que privilegiou dentre outras coisas a intensificação da exploração da madeira, da agropecuária e posteriormente a silvicultura do eucalipto.

No extremo sul da região, a abertura da BR-101 provocou o inchamento de povoados e os crescentes problemas sociais e de infraestrutura, já insuficientes, que em contrapartida aumentou os transtornos à população mais pobre desassistida pelo governo estadual, emissário do “desenvolvimento do extremo sul”.

Segundo descrição do Jornal do Brasil de 1971,apesar da promessa de vultosos investimentos, a região baiana ainda não estava inserida na dinâmica econômica e cultural do estado e necessitava de intervenções políticas urgentes. Sobre o seu “atraso” observou o periódico:

“A capital não é salvador, nem nunca foi. Quando alguém fica doente, e precisa ser operado, é levado para Nanuque, em Minas Gerais, que só desenvolveu graças à região baiana. (…) Todas as cidades da região se abastecem de tudo em Minas Gerais, Espírito Santo, e, às vezes, Campos, no Estado do Rio, ou mesmo São Paulo. A famosa cachaça de Santo Amaro da Purificação (…) nunca chegou ao extremo Sul Baiano. Ali se toma a catuaba do Espírito Santo. Poucas cidades têm cinema que dependem, também, do motor de luz que quebra a cada 15 dias. O correio só funciona com eficiência para Vitória, não há uma biblioteca pública  sequer para os 485 mil habitantes, e só duas escolas normais funcionando na região”.

Supondo que em Teixeira de Freitas da época havia um grande número de trabalhadoras envolvidas com a realização serviços domésticos, lavadeiras remunerada e não remunerada, que faziam uso do córrego Charqueada, por falta de água encanada, conversei informalmente com Ricardina Maria dos Santos, 56 anos.

Ricardina Maria dos Santos, 56 anos,  que foi moradora do bairro Teixeirinha no final dos anos de 1960 e início dos anos de 1970, onde residiu, entre outras, na Rua Presidente Kennedy que fica nas proximidades do Charqueada. Na época ela tinha aproximadamente 12 anos, não frequentava a escola e auxiliava a madrasta, dona Meirita, nas atividades domésticas.

 A princípio, na nossa primeira conversa sobre o assunto, ela recordou um detalhe importante para compreensão do uso do córrego nesse período por alguns moradores, o Charqueada era represado na altura do bairro Recanto do Lago, por isso era maior e mais fundo, tanto que para muitos era tido como um rio.

Outro detalhe que  auxilia na compreensão da grande movimentação descrita por ela é que havia na época  poços abertos próximos às margens do afluente para uso coletivo, água utilizada para beber e cozinhar, sendo estas  as razões para a volta constante das mulheres ao lugar.

De acordo a sua perspectiva a rotina das moradoras daquela rua, crianças, moças e senhoras, era bem conhecida na época, nas primeiras horas da manhã as mulheres donas de casa e  lavadeiras procuravam as margens do córrego para ocupar o melhor lugar de lavar utensílios e roupas.

Perguntada se esse vai e vem causado pela dependência do córrego gerava alguma irritação nas lavadeiras revelou Ricardina dos Santos que de fato presenciou alguns confrontos diários às margens do córrego que pode ser relacionado ao estresse.

“A mulherada que trabalhava nas margens do córrego discutia por diversos motivos como o melhor lugar para lavar, ocupação do girau de lavar  roupas ou pela agitação da corrente de água.  Havia também desentendimentos motivados por comentários depreciativos relacionados ao envolvimento com homens solteiros ou comprometidos. Briga com rimas provocativas, uma cantava e a outra respondia”.

Revelou também que essas situações contrastavam com os momentos de alegria e descontração quando, por exemplo, se falava de namoro, casamentos e dificuldades da vida diária.

Já que solteiras e casadas dividiam o mesmo espaço é de supor que, conforme falas proferidas, de forma mais reservada também falavam sobre sexo e assuntos não permitidos em outros espaços, para lidar com situações adversas.

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Foto: Rua Presidente Kennedy em 2012

Falando dessa ocasião Ricardina  recordou, em forma de anedota,  que na época era de costume no final da tarde algumas mulheres e “mocinhas” descer a ladeira, na extremidade final da Rua Presidente Kennedy, para tomar banho no córrego que no horário era reservado só às mulheres que, em algumas situações, eram observadas por rapazes e homens escondidos na vegetação.

“Rapazes e meninos só podiam tomar banho durante o dia até o entardecer ou depois que as mulheres se retirassem do local, o respeito era uma virtude muito valorizada na época. Meninas e meninos não se misturavam no córrego, cada qual tinha sua hora e momento. Por causa  disso, os meninos ousados criaram o defeito de ficar escondidos nos matos observando o banho das mulheres e traçando os seguintes comentários “olha o requeijão de fulana”. Por esse motivo o Charqueada chegou a ser apelidado, por um período, pelos adolescentes da rua,  de “Rio do Requeijão”.

Revela Ricardina que diante do que considerava uma bagunça o pai  ,Ricardo José, conhecido como Ricardo Baiano, se viu obrigado a abrir um poço no quintal da casa para diminuir a constância das mulheres da família às margens do córrego que já começava a ficar impróprio para o banho.

Respondendo à pergunta acerca dos principais poluentes do charqueada naquela época afirmou que quando morou na referida rua ,acima já citada,  havia o lançamento do esgoto doméstico em uma fenda  no meio da rua ,escavada pelas chuvas, que despejava no córrego os resíduos produzidos pelas casas, fator que acelerou o processo de degradação já iniciado por um matadouro instalado em suas margens.

Ainda de acordo com a construção narrativa da antiga moradora, foi por essas  e outras razões que,  em 1973, o pai incomodados com a falta de infraestruturas mudou-se do lugar com os filhos para o povoado de Duque de Caxias onde retornou a vida agrária com a família que, por um tempo, só visitou o povoado de Teixeira de Freitas para comercializar na feira.

Fontes:

Jornal do Brasil 1971.

Conversa informal com:

Ricardina Maria.  ………. Maio de 2016

…………………………………. Novembro de 2016

………………………………….. Janeiro de 2017

………………………………….. Abril de   2017

Veja também:

Córrego Charqueada: histórias e lembranças – Parte 01

Mulheres parteiras em Teixeira de Freitas parte 01

Os nomes que Teixeira de Freitas já teve

O cine Horizonte

O comércio de Teixeira de Freitas

História da Expo Agropecuária de Teixeira de Freitas

O causo do Boitatá

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O causo do nó da mortalha

Emancipação: História e memória

Daniel Rocha

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