Por Daniel Rocha 

No final dos anos quarenta, nas proximidades da Fazenda Cascata, situada às margens da BA 290, 6 KM da BR 101 e 9 KM do centro da cidade de Teixeira de Freitas, Bahia, algo inusitado começou a acontecer. Trabalhadores rurais fizeram surgir entre as matas, uma longa estrada ligando o interior do sertão do rio Itanhém, local de difícil acesso, à cidade de Caravelas, mudando em definitivo a rota comercial da região. 

O objetivo dessa união foi ligar as fazendas das cercanias à cidade vizinha e movimentar o comércio pelo porto e pela estrada de ferro Bahia-Minas, possibilitando o escoamento e o abastecimento das fazendas do interior do município de Alcobaça, que hoje compõem o território teixeirense.  

A estrada de 60 quilômetros, trajeto da atual BA 696, foi aberta no braço por trabalhadores rurais munidos apenas de machado, foice e enxada, nasceu da iniciativa do antigo proprietário da fazenda, Joaquim Muniz de Almeida Neto (Quincas Neto), e servia todas as comunidades rurais próximas que puderam transitar livremente até o porto caravelense ou até a estação da Bahia – Minas, no povoado de Ponta de Areia, para negociar ou adquirir produtos.

De acordo com o nonagenário Valfrido de Freitas Correia, antigo morador da fazenda vizinha, de nome Nova América, em uma conversa informal com o memorialista Domingos Cajueiro Correia, o surgimento da estrada não se deu apenas a partir da iniciativa do fazendeiro e dos empregados, mas também graças ao morador “Amélio Sapo” que mostrou uma trilha por entre as matas que levava a Caravelas. 

“Ele guiou o velho Quincas e seus funcionários por entre as matas até o Pau da Garrafa próximo a fazenda São Gonçalo de Orlando Neves na construção dessa estrada. Pois existiam lagoas no percurso. Este senhor morava nas proximidades da Fazenda Araras, mas conhecia toda região. Por isso sabia como desviar com maestria, dos inúmeros lagos e córregos, que dificultavam os tropeiros e comerciantes de chegarem a Caravelas.” Destacou Valfrido de Freitas Correia. 

Descendente dos negros escravizados, que após a abolição se alojaram nos arredores da adjacente Fazenda Arara ,em tese, “Amélio Sapo” conhecia muito bem as antigas rotas trafegadas pelos negros que se fixaram nos arredores da fazenda vizinha ocupando áreas devolutas. 

Conforme uma das anedotas da época, Amélio Sapo era um exímio caçador de papagaios que tinha em seu terreiro um criatório que mais parecia um galinheiro tamanho a quantidade de viveiros existentes. Ainda conforme os relatos ele abatia os papagaios para consumo próprio: “comia tanto que urinava verde.”  

O atual proprietário da Fazenda Cascata, o senhor José Sérgio, em uma entrevista registrada em 2013, relata que essa necessidade de ter acesso a produtos, vender excedentes e exportar com mais rapidez o cacau, motivou a abertura da estrada vicinal do sertão do Itanhém. 

“Era questão de abastecimento. A fazenda tinha que abastecer as vizinhas e exportava pelos navios da Baiana pelo porto de Alcobaça, acontece que os navios eram mais demorados e o trem vinha mais frequentemente.  Com ele se podia pegar as mercadorias e vim para cá como faziam os ciganos, os tropeiros que passavam por aqui e as fazendas do entorno. Então meu avô, Joaquim Muniz Neto, comprou em Teófilo Otoni um caminhão e mandou construir a estrada para escoar o cacau até o porto.” 

É possível concluir através dos relatos inseridos neste contexto econômico e social de características rurais que os trabalhadores coordenados por Quincas Neto abriram uma estrada de caráter comunitário. Que a mesma permitiu melhorar a dinâmica comercial do entorno através de novas formas de trocas e socializações. Os relatos permitem também captar o lugar das estradas não oficiais na memória e nas representações populares dos antigos transeuntes, que inclusive, é o assunto do nosso próximo texto.  

Fontes e referências 

CARMO. Greyce Bonjardim da Silva. PERCEPÇÃO AMBIENTAL NA COMUNIDADE ARARA EM. TEIXEIRA DE FREITAS (BA). UFSB – IFBA. Porto Seguro. 2019. Páginas – 35-42

SILVA, Eliane Batista: DA SILVA, Maria Regina Ferreira Carmo. A MONOCULTURA DO EUCALIPTO NO OLHAR DOS PEQUENOS AGRICULTORES DA COMUNIDADE ARARA. UNEB-X. Teixeira de Freitas-BA. 2007. Páginas 43-47.

A fazenda. Texto pesquisado no extinto site: www.fazendacascata.com.br. Acessado em  12/04/13.

Entrevista com José Sérgio. Maio de 2013. Arquivo site tirabanha.

Entrevista com Walfrido de Freitas Correia. Maio de 2013. Arquivo site tirabanha.

Levantamentos e informações do memorialista e colaborador do site Domingo Cajueiro Correia.

Foto: Trabalhadores na abertura da estrada da Cascata, 1949. Fonte: Departamento de Cultura de Teixeira de Freitas. 2015.

Daniel Rocha da Silva*

Historiador graduado  e Pós-graduado em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X.

Contato WhatsApp: ( 73) 99811-8769 e-mail: samuithi@hotmail.com

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