Por Daniel Rocha*

Obviamente destacar apenas acertos de uma pessoa nos aproxima do idealismo, mas quando esses acertos estão relacionados com um combate social falamos não apenas de um homem, mas também da luta de uma classe.

Dom Filipe Tiago Broers, Bispo de Caravelas, entre os anos de 1962 a 1983, e sua militância em favor dos mais fracos é um exemplo disso que estamos falando. Sua atitude e postura diante dos confrontos e disputas de terra no Extremo Sul da Bahia entre as décadas de 1970 e 1980 é uma mostra de um justo posicionamento.

No período final da Ditadura Militar no Brasil, 1979 – 1985, que em sua totalidade abarcou os anos de 1964 – 1985, a Igreja Católica no Extremo Sul da Bahia se posicionou em favor dos pequenos proprietários de terras e posseiros ante a truculência dos grileiros e agentes do Estado denunciando aos jornais e através do Informativo/Boletim diocesano a repressão ocorrida em Teixeira de Freitas e região.

Como a denúncia da prisão de 37 lavradores na cadeia do povoado de Itabatã em decorrência da disputa pela terra no Córrego das Ostras em Mucuri e a invasão da residência dos padres em Teixeira de Freitas em 1980.

Dom Filipe

Os fatos relacionados acima foram pesquisados pelos historiadores, Liliane Maria Fernandes Cordeiro Gomes, Leonardo do Amaral Alves e Leonardo Dantas D’icarahy e mostram que o posicionamento da igreja e do bispo está relacionado às intenções do governo militar e baiano em promover a expansão agrícola da região de forma predatória e violenta.

Na dissertação Experiências forjadas a ferro e fogo: religiosidade, organicidade e luta pela terra no Extremo Sul da Bahia no contexto da Ditadura Civil-Militar (1978-1985),o historiador Leonardo Amaral observa que essa expansão buscava atender a ampliação das fronteiras agrícolas, viabilizar os empreendimentos agroindustriais e empresas que combinavam capital público e privado através da prática da grilagem, de uso excessivo da força contra os posseiros e pequenos proprietários.

Como já dito, pelos motivos citados o bispo, através da Diocese de Caravelas, fez uso de sua posição institucional para denunciar através de cartas enviadas a alguns dos principais jornais da Bahia e do Brasil como o Jornal do Brasil, Jornal da Bahia, A tarde e do Informativo / Boletim Diocesano o que vinha ocorrendo na região.

Segundo Leonardo Dantas, na dissertação O Sonho da Terra: Trabalhadores Rurais e o Surgimento do MST na Bahia (1975-1989) o Boletim Diocesano era distribuído de porta em porta no então povoado de Teixeira de Freitas. Provavelmente por pessoas da comunidade. O fato incomodou um dos grileiros, um mineiro recém-chegado à cidade, Rafael de Castro, e que reivindicava a posse da terra do Córrego das Ostras e tentava retirar os posseiros de muitos anos estabelecidos no lugar alegando ser o dono.

Como já dito, outro meio escrito de denúncia utilizado pelo Bispo eram as cartas enviadas a diferentes autoridades dentro e fora do país, além de jornais. Em uma carta publicada no Jornal do Brasil de 27/10/1980, por exemplo, ele destacou a violência da polícia e dos grileiros contra 37 trabalhadores, gente humilde, cujas terras se encontravam em litígio, através de “Prisões ilegais e maus tratos” e uma funesta caçada humana.

“Nessas condições desumanas ao extremo, alguns dos lavradores adoeceram e foram retirados da cela e jogados no corredor. Um deles estava com muitas queimaduras, pois a polícia, oficial de justiça e os grileiros o cercaram de fogo para prendê-lo, dizendo que assim caçavam o coelho. Assim queimando e com muita febre, ficou preso sem nenhuma assistência das autoridades e dos policiais (…). Que tomem medidas para a solução desses graves problemas. Que a situação dessas terras seja definida e ,sendo devolutas, se destinem aos posseiros e as famílias mais necessitadas. Que toda pessoa receba um tratamento justo mesmo na cadeia.”

Como traz  a historiadora Liliane Maria Fernandes Cordeiro Gomes no artigo, Diferentes Frentes de atuação no campo social da diocese Teixeira de Freitas/Caravelas no Extremo Sul da Bahia  – 1952/1985 ,ao citar e analisar a carta, o Bispo  não repudiou apenas o modo que os detidos eram tratados,  mas também a invasão da residência dos padres em Teixeira de Freitas ocorrida no dia 07 de outubro de 1980.

Segundo cita Gomes, a invasão da residência, que fica ao lado da “Igrejinha Subterrânea,”  foi feita por grileiros e policiais “armados com ostentação” que entraram sem pedir licença e sem nenhuma consideração e respeito pelos moradores e donos da casa, obrigando um animador da comunidade e da igreja assinar declarações e acusações numa folha em branco. “Um  acontecimento que vinham ocorrendo de forma corriqueira em toda região do Extremo Sul da Bahia, segundo Dom Felipe”.

A atuação do bispo incomodou não apenas os poderosos da cidade e da região, mas também os militares que ocupavam o poder. Segundo Leonardo Amaral a partir da análise dos documentos da espionagem do Serviço Nacional de Informações (SNI) o bispo foi acompanhado e monitorado por agentes do regime atentos ao trabalho desenvolvido na diocese junto aos movimentos sociais e trabalhadores.

“D. FELIPE é radicalmente contra o governo brasileiro, aproveitando os sermões para fazer críticas contundentes, inclusive incitando a população a subverter a ordem […] O Sindicato dos Trabalhadores Rurais, cuja criação será oficializada em 19 Abr 79, praticamente já tem seu primeiro presidente indicado por D. FELIPE. Haverá tão somente uma eleição para homologação do candidato único […]”. Diz parte do documento confidencial de 1979 citado por Leonardo  do Amaral.

Convém lembrar que como um defensor da democracia, igualitário, o Bispo Filipe Broers era contra a  Ditadura Militar e não contra o país e que diante da situação imposta: defender os direitos humanos, o Bispo, se portou como um bem-aventurado que não se intimidou ,mesmo sob ameaça de homens armados, para defender aqueles que só tinham como fonte de renda seus pequenos cultivos.

Fontes e créditos

ALVES. Leonardo Amaral.  Experiências forjadas a ferro e fogo: religiosidade, organicidade e luta pela terra no Extremo Sul da Bahia no contexto da Ditadura Civil-Militar (1978-1985). Dissertação ( Mestrado em História) –  Universidade Estadual de Feira de Santana. Feira de Santana. Bahia. 2017.

D’ICARAHY. Leonardo Dantas.  O Sonho da Terra: Trabalhadores Rurais e o Surgimento do MST na Bahia (1975-1989). Dissertação ( Mestrado em História) – Universidade Federal da Bahia.  Salvador. Bahia. 2018.

GOMES, Liliane Maria Fernandes Cordeiro Gomes.Diferentes Frentes de Atuação no Campo Social da Diocese de Teixeira de Freitas/ Caravelas no Extremo Sul da Bahia – 1962 – 1985. In : AÇÃO COLETIVA E TERRITORIALIDADE: dinâmicas, práticas, significados e abordagens. Agripino Souza Coêlho Neto: Celia Basconzuelo e María Virginia Quironga ( Org). – Salvador: EDUBEB, 2016.

Bispo de Caravelas faz denúncia de violência contra posseiros baianos. Jornal do Brasil. 27/10/1980. Salvador

Daniel Rocha da Silva*

Historiador graduado  e Pós-graduando em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X. Latees.

Contato WhatsApp: ( 73) 99811-8769 e-mail: samuithi@hotmail.com

 

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