Por Daniel Rocha 

Segundo nota publicada no Jornal O Paiz, de 14 de outubro de 1885, três anos antes da libertação dos negros escravizados no Brasil, o negociante Ângelo Bolo, morador de cidade de Caravelas, deu carta de liberdade a duas de suas escravas, a “adulta” Emília (16 anos) comprada um ano antes, julho de 1884, e a “infante” Senhorinha (14 anos) que havia comprado com a condição de lhe prestar serviço pelo espaço de sete anos, “conforme a lei lhe dava este direito”. Mas, o que motivou o comerciante a conceder a liberdade às duas mulheres escravas? A seguir algumas cogitações.

Na nota publicada no jornal não há nenhuma pista ou comentário sobre o motivo que levou o negociante a vender às escravizadas além de um expresso “falta de condições”, mas é possível supor que pode ter sido motivada pela aprovação da Lei dos Sexagenários, também conhecida como Lei Saraiva-Cotegipe. Isso porque a lei foi promulgada no dia 28 de setembro de 1885, vinte e quatro dias antes do comunicado escrito pelo comerciante e 47 dias da publicação da nota no jornal. 

A Lei que previa liberdade dos sujeitos escravizados que tivessem mais de sessenta anos de idade também estabeleceu normas para libertação gradual dos cativos mediante indenização, assunto que preocupava os senhores de escravos cada dia mais acuados pelo movimento abolicionista que, através da militância de intelectuais negros como Luiz Gama, José do Patrocínio, André e Rebouças, vinham mobilizando a opinião pública, camadas populares, classe média e alguns setores da elite, contra a continuidade dessa forma de exploração dos trabalhadores negros.

No extremo sul da Bahia o movimento também tinha representação e pressionava pelo fim através da militância do Padre Geraldo Sant’ Ana que, segundo o historiador Ricardo Tadeu Caires Silva, era ligado ao partido liberal. Ainda de acordo com o pesquisador, o Padre não media esforços para defender a abolição da escravidão e na época se envolveu em diversas polêmicas com escravocratas e autoridades locais denunciando desmandos e excessos. 

Outra hipótese que pode ser considerada é a de que provavelmente Emília e Senhorinha eram escravas domésticas ou de ganho, ou seja, sujeitadas a procurar nas ruas uma ocupação paga que lhe obrigava levar para casa, ao fim do dia, uma soma de dinheiro previamente estipulada para o seu senhor.

Nessas modalidades os escravos não só tinham um maior contato com o seu senhor com possibilidades de conversar com os negros forros, aquilombados e abolicionistas, contato que lhes motivavam resistir a exploração forçando a alforria, tal como vinham fazendo os escravos da região de Caravelas e Viçosa, Colônia Leopoldina, através de fugas e revoltas.

Resistência que pode ter motivado o negociante a declarar a manumissão, liberdade legal, de ambas as mulheres que ao serem declaradas livres romperam uma das barreiras e grades que as aprisionavam. A questão segue aberta a historiografia.

Fontes: 

MIKI.Yuko. Frontiers of Citizenship: A Black and Indigenous History of Postcolonial Brazil.  

SILVA. Ricardo Tadeu. A rebeldia escrava e a derrocada da escravidão na Colônia Leopoldina (1880-1888). 2018 

COSTA, Emília Viotti da. A abolição da escravidão. 

Foto: Casa colonial Caravelas BA

Daniel Rocha da Silva*

Historiador graduado  e pós-graduado em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X.

Contato WhatsApp: ( 73) 99811-8769 e-mail: samuithi@hotmail.com

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