Por Lizete Caires

Durante os mais de 500 anos da história do Brasil, diversos personagens atuaram para a construção dessa história, da riqueza e da construção social do nosso país. Dentre esses personagens, destacamos o papel crucial das mulheres, de muitas mulheres.

Essas personagens advinham de diversas classes sociais, contribuíram de muitas formas para a construção da nação. De todas as mulheres que aqui viveram e vivem, o papel da mulher negra foi e é ponto chave para entendermos a formação da nossa sociedade,  ao longo desses mais de cinco séculos de existência.

Em cada canto do país, lá estavam as mulheres, principalmente as mulheres negras, escravas ou libertas (mulheres que conseguiam ou compravam sua liberdade), trabalhando, atuando nas redes de sociabilidade, construindo histórias e deixando suas marcas na construção social e na riqueza da nação. Elas  eram, na maioria das vezes, invisibilizadas em seu fazer cotidiano.

As mulheres negras ocuparam papéis centrais e consolidaram ações estratégicas para a sua sobrevivência e da comunidade onde ela atuava, desde os tempos da escravidão e depois da abolição da escravatura em nosso pais, algo que só aconteceu em 13 de maio de 1888.

Muitas foram as mulheres negras escravizadas ou libertas que protagonizaram   em situações decisivas, nas disputas de um número considerável de processos judiciais, nos mais variados assunto, bem como no direito delas à guarda dos filhos que nasciam cativos, devido à situação a que elas estavam submetidas e baseavam suas apelações em um decreto que proibia a separação das famílias nas transações de vendas dos escravizados (Decreto n° 1.695 de 15 de Setembro de 1869), contribuindo assim de uma certa maneira, para a promulgação da Lei Rio Branco, mais conhecida como “Lei do Ventre Livre” (1871). Já no quesito da religiosidade, as mulheres sempre ocuparam posição de prestígio nos espaços das religiões de matriz africana.

Na região do Extremo Sul da Bahia, a atuação dessas personagens negras não foram diferentes de outras partes do país. Aqui, diversas mulheres escravizadas ou ex-escravas trabalharam para a construção e crescimento dessa região, realizando inúmeros trabalhos, principalmente na produção cacaueira e cafeeira, principais produtos dessa região no decorrer do século XIX.

A historiografia oficial não buscou registrar o papel crucial dessas personagens na construção da história das regiões do país, mas, com o avanço das pesquisas nesse segmento, aos poucos, as histórias e o papel vital das populações negras escravizadas e ex-escravizadas vem à tona. Umas das fontes que revela parte da atuação dessas mulheres são os Jornais regionais e local. Um desses exemplos, é o fragmento de um Jornal de Notícias da cidade de Caravelas Bahia, reproduzido pelo Jornal do Comercio do ano de 1882:

“Um senhor por nome Júlio Pereira de Carvalho, quando  esteve em Caravelas a fim de receber sua parte na partilha dos bens deixados por seu finado sogro, o DR. Frederico Blum, conferiu carta de liberdade aos seus escravos Jorge, de 48 anos, e Antônio, de 50, bem como ao senhor Ludgero Metzker, concunhado de um tal  Dr. Júlio, também alforriar uma sua escrava, de nome Marcellina, com 33 anos”.

Através dessa notícia de um jornal local, descrevendo uma situação cotidiana familiar, poderemos fazer inúmeras indagações, principalmente com relação à escravizada, posteriormente ex-escrava Marcellina: Qual o destino de Marcellina após receber a alforria? O que Marcellina fez para sobreviver?  Como ela aproveitou a liberdade? Que trabalho realizou após adquirir a tão sonhada autonomia sobre sua vida?

Essas indagações têm incentivado as pesquisas no campo da historiografia a ampliarem  seus olhares no campo das análises da micro história desses personagens, principalmente das mulheres, que contribuíram na formação da história local, regional, estadual e do Brasil como um todo. Ante o exposto, as mulheres negras, mesmo relegadas a um local de profunda subalternidade e invisibilidade em nossa sociedade pela historiografia tradicional, em verdade, sempre protagonistas.

Lizete Caires*

Graduada em História pela Universidade do Estado da Bahia -Uneb. Bacharelada em Serviço Social pela Universidade Pitágoras Unopar. Pós graduada em Gestão e Organização da Escola pela Universidade do Norte do Paraná-Unopar. Graduada em Pedagogia pela Universidade do Norte do Paraná-Unopar. Professora da Rede Municipal de Ensino de Teixeira de Freitas e Medeiros Neto Bahia.

Bibliografia:

SANTOS. Tania Aparecida Silva. Poderia a história do Brasil ser contada a partir da trajetória das mulheres negras? 2020. Disponível em: Poderia a história do Brasil ser contada a partir da trajetória das mulheres negras? (geledes.org.br). Acessado em: 09-03-2023.

Jornal do Comercio. 08 de julho de 1882. Rio de Janeiro. Nº 158. Acervo site Tirabaha.

Revista Justiça & Cidadania: Mulheres Negras, uma história de resistência. 2022 Disponível em: Revista Justiça & Cidadania: Mulheres Negras, uma história de resistência – ANADEP – Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos. Acessado em: 09 – 03 – 2023.

CARMO, Alane Fraga do. Colonização e escravidão na Bahia: A Colônia Leopoldina (1850-1888). 2010. UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA. Disponível em: Colonização e escravidão na Bahia a Colônia Leopoldina, 1850-1888.pdf (ufba.br). Acessado em: 09 – 03 – 2023.

Imagem: Caravelas 1945.

Compartilhar: