Por Daniel Rocha*
O córrego Charqueada corta a cidade de Teixeira de Freitas de ponta a ponta e tem uma extensão de aproximadamente 8,5 quilômetros. Nasce no bairro Estância Biquíni, região norte da cidade e deságua no rio Itanhém que também atravessa a cidade de norte a sul. Relatos de antigos moradores da região recordam como seu nome e uso foi sendo modificado de acordo com as mudanças não só dos tempos, mas também dos homens.
Moradores mais antigos revelaram, através de relatos, que o nome atual do córrego é uma referência ao funcionamento de um abatedouro que se instalou nas margens do canal no início da década de 1960 para atender o consumo crescente de carne no povoado. Relatam também que antes da instalação do matadouro o “Charqueada” era chamado de “Córrego da Preguiça.”
Esses relatos registrados pelo memorialista e colaborador Domingos Cajueiro Correia junto aos moradores Ivanildo Ivo Nascimento e Valfrido de Freitas Correia é a única versão conhecida que afirma ter existido outra denominação para o córrego que ,antes do abatedouro, também teve por perto a sede do DERBA – Departamento de Estradas de Rodagens da Bahia.
Segundo os relatos registrados pelo memorista, em 1935 os agricultores Duca de Estefânia, Hermenegildo, João de Roque, filhos da senhora Estefânia, cuja fazenda ficava na região onde está o frigorífico Frisa, chegaram às margens do córrego, no Bairro São José, para desmatar uma pequena parte da floresta existente e arar a terra para agricultura.
Lembram que o córrego era cercado por árvores exuberantes que abrigavam em suas copas colônias de bichos-preguiça. A paisagem era comum aos homens e mulheres da época, moradores do período, mas mesmo assim os agricultores que descrevem o primeiro contato dizem que “ficaram impressionados” com a grande quantidade de animais próximo ao córrego.
Por essa razão, relatam, o canal natural foi denominado pelos populares de “córrego da Preguiça” ficando assim conhecido por um período entre todos os moradores daquela parte. Os registros, apesar de simples, também revelam que o córrego era limpo e de fortes correntezas com águas próprias para o consumo e subsistência da comunidade.
Na década de 1950, com o início da exploração da madeira nativa, um pequeno comércio originou o povoado de Teixeira de Freitas, no período posterior a abertura da primeira estrada aberta pelos madeireiros da Eleosíbio Cunha, madeireiro que intensificou o processo comercial de desmatamento da floresta atlântica.
A partir de então a economia do povoado ,que era conhecido como “Comercinho do Pretos”, passou a girar em torno da extração da madeira existente e da comercialização de produtos rurais produzidos nas redondezas em uma pequena feira na Praça dos Leões que atendia a pequena e crescente população local.
Com a mudanças dos fluxos comerciais e de interesses econômicos, em meados da década de 1960, o povoado fundado por comerciantes negros recebeu um número interessante de novos moradores e trabalhadores, os funcionários do DERBA – Departamento de Estradas de Rodagens da Bahia, que chegaram trazidos pela estatal baiana.
O departamento foi o primeiro órgão público a se instalar no povoado, no ano de 1964, e os números evidenciam o impacto causado. Alguns anos depois, 1968, o DERBA tinha registrado 173 funcionários, boa parte oriundos de outras cidades do Estado.
Diante dessa informação, estima-se que a chegada de um número considerável de novos moradores não só mudou os tempos, como também potencializou o consumo interno do povoado e a procura por alimentos produzidos na região, principalmente a carne bovina.
Essa demanda, suponho, levou à instalação de uma charqueada, local de abate de bovinos, nas margens do Córrego da Preguiça, na segunda metade da década de 1960, para atender uma demanda crescente pela carne bovina, a nova preferida dos homens dos novos tempos.
A mesma teria sido instalada em meados da década de 1960 pelo agropecuarista Nelito Cardoso no primeiro prédio ocupado pelo DERBA, nas proximidades da rua Adônias Filho, no bairro São Pedro, e do córrego da “Preguiça.” Provavelmente a Charqueada buscou atender a nova demanda e suprir o mercado local dependente do fornecimento da carne advinda da Fazenda Cascata em uma época em que não existia uma forte consciência ecológica.
Sobre o fornecimento feito pela Fazenda Cascata, segundo a historiadora Susana Ferreira (2010) na década de 1950 no “Comercinho dos Pretos”, primeiro núcleo urbano do povoado fundado por negros, os açougueiros, Aurelino, Osmino e Neo foram os açougueiros pioneiros na comercialização de carnes no povoado.
Os comerciantes do ramo vendiam em sua maioria carne de porco porque a bovina não era tão comum. Quando vendida geralmente era comprada na Fazenda Cascata que abatia por encomenda. Antes da charqueada o abastecimento dos açougues era feito só por fazendeiros vizinhos.
Segundo o colaborador Domingos Cajueiro Correia, quando a charqueada entrou em funcionamento na década de 1960 rapidamente passou a ter como clientes açougueiros como Arlindo Coqueiro, cujo estabelecimento ficava no centro do povoado e vendia carne, vísceras de animais, bofe e bucho, adquiridos na Charqueada que de fato assumiu o protagonismo no abastecimento dos comerciantes do ramo do povoado.
Povoado formado por poucas ruas e desprovido de energia elétrica e água encanada. Nesse contexto, convém também lembrar que as águas do córrego eram de grande valia não só para a população como também para o abatedouro que necessitava de líquido corrente para limpar e lavar carnes e vísceras que seria destinada para venda e descartar as impurezas ruins, dessa forma a poluição prejudicou não só a natureza, mas também os moradores que dependiam do córrego.
Tanto que os moradores ouvidos afirmam que, com as mudanças dos hábitos e dos tempos, o córrego foi batizado com o nome Córrego da Charqueada, que também sofreu com a poluição causada pela limpeza das máquinas do Departamento de Estradas e Rodagens. Para obter mais informações sobre esse período e sobre o trabalho do DERBA, conversei de modo informal com Humberto Bandeira, ex-funcionário do Departamento que chegou à cidade no início da década de 1970 com a família para morar e trabalhar como motorista da estatal.
De acordo com o antigo morador, hoje aposentado, o DERBA quando chegou ao então povoado de Teixeira de Freitas onde de fato construiu e ocupou o prédio próximo ao córrego. Que o lugar foi mesmo ocupado pelo abatedouro após a mudança de endereço da instituição para a Avenida Getúlio Vargas.
O antigo trabalhador relatou em conversa informal que ainda guarda vivo na lembrança a cena que presenciou por diversas vezes quando passava para jogar bola em um campo de futebol nas proximidades da Charqueada que, como já dito, lançava impurezas diversas no curso natural das águas do córrego.
Para ele, é verdadeira a informação de que a água do córrego era utilizada no lavar de carnes e vísceras, pois recorda com detalhes de diversas mulheres nas margens do Charqueada lavando bucho bovino do matadouro para serem vendidos por açougueiros no comércio local.
Comércio que ,segundo Humberto Bandeira, de fato encontrava dificuldades para manter uma oferta regular de carne vermelha aos novos moradores. “Para você ter uma ideia, o fígado bovino vendido aqui era salgado, porque não se encontrava fígado fresco com facilidade.”
Por fim, sabe-se, de acordo com as lembranças e recordações registradas, que o córrego que corta a cidade foi apelidado é conhecido por um período conhecido como “córrego da Preguiça.” Uma outra versão encontrada, porém ainda não confirmada, diz que em tempos mais longínquos o córrego era também chamado de Córrego da Japira.
Diante de todo o exposto, é possível afirmar que o nome do córrego é algo recente e tem relação com um matadouro que existiu próximo às suas margens em um local que também foi ocupado pelo departamento de estradas e rodagem da Bahia no final da década de 1960, década em que mudaram não só os tempos, mas também as pessoas.
Referências:
FERREIRA, Susana. A vida privada de negros pioneiros no povoamento de Teixeira de Freitas na década de 1960. Uneb campus- x. Teixeira de Freitas BA, 2010.
HOOIJ, Frei Elias. Os desbravadores do Extremo sul da Bahia, Belo Horizonte, 2011.
ROCHA FILHO. Carlos Armando. Comissão executiva do plano da lavoura cacaueira . Recursos Hídricos. Rio de Janeiro. CEPLAC, 1976.
Conversa Informal com:
Domingos Cajueiro Correia
Humberto Bandeira
Daniel Rocha da Silva*
Historiador graduado e Pós-graduando em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X. Contato WhatsApp: ( 73) 99811-8769 e-mail: samuithi@hotmail.com
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Texto atualizado 08/10/21
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