Por Daniel Rocha

Como foi apresentado no primeiro texto desta série, a maioria das mulheres do interior do município de Alcobaça, dentre  elas as mulheres do  povoado de Teixeira de Freitas, não tinham acesso a um serviço público de saúde, nem atendimento médico nas décadas de 1950,1960 e meados de 1970 do século XX, por isso na gravidez eram acompanhadas por parteiras que mesmo depois dos primeiros hospitais eram procuradas por conta do tratamento “familiar”.

 Ao contrário do que se pensa, nem sempre elas chegavam a tempo, pois as dificuldades eram diversas, desde a distância à falta de informação sobre a data provável do parto. Outras mulheres como, amas de leite,benzedeiras, irmãs e filhas mais velhas, também se mobilizaram para ajudar no resguardo e no cuidado com o recém nascido.

Vitória Rodrigues, de 78 anos e moradora da cidade desde 1970, contou durante um bate papo que, quando estava grávida  do primeiro filho sentiu que o mais breve possível iria “parir” então pediu o esposo “Zé” para buscar a parteira Isaura que morava na região do bairro Redenção.

“Porém a parteira demorou, quando chegou o menino já tinha nascido sozinho,  eu já estava com o frango no fogo. O que fiz com o cordão? Cortei com a faca e costurei com uma colher quente. Dos seis filhos que tive, três deu para esperar outros foi sozinha”.

Para Maria José, de 73 anos, os cuidados com a gestante se intensificaram no dia do parto desde as primeiras horas quando a parteira estava por perto. Quando distante cabia ao marido buscar. Como não havia   telefone , tinha que   bater na porta da parteira e chamá-la.

 “Nem sempre dava tempo”, afirma Maria José  que cresceu na zona rural de Alcobaça em fazenda próxima. “Um dos meus ganhei sozinha, só aparei para não cair no chão, quando o marido chegou com a parteira , o menino já tinha nascido”.

Em famílias numerosas os cuidados eram tomados pelas mulheres próximas, cabia a parteira apenas o parto, segundo Marinalva Rocha de 60 anos, a mãe antes de ganhar filho instruía os demais para o preparo do pirão, iguaria importante para o resguardo, que incluía ainda “não molhar a cabeça, nem ter relações sexuais em períodos determinados”.

Segundo Maria Neusa, de 57 anos, além do pirão ( foto) era importante também servir a famosa temperada, bebida misturadas com ervas de propriedades medicinais. A temperatura para gestante era dosada na hora do pirão “uma “dosezinha” para descer o suor” para o visitante não havia restrições.

Maria Dercília, lembram com saudade  do tempo que passou, segundo ela, “tempos de muita felicidade”. Sua contribuição é ainda mais valiosa por ter sido aprendiz de uma parteira por nome Vitória, que lhe ensinou o jeito de puxar menino coroado e ter cuidado com a higiene. Também recorda que bebidas caseiras e chás misturados com outras ervas servem de remédio para as gestantes durante a gestação.

 Maria José não esqueceu de acrescentar que, outro perigo para as mulheres “paridas” era o de engravidar antes de terminar de amamentar, ela que o leite ficava “choco” e o bebê desnutrido e sem forças para ficar em pé.

Nestes e outros casos era aconselhado procurar a ama de leite, uma mulher que estava amamentando e que tinha leite suficiente para sustentar duas crianças. Conta Vitoria Rodrigues, que tem mais filhos de leite do que dela mesma, pois sempre era solicitada quando a mãe de um recém nascido não tinha leite suficiente ou nenhum:

“Dizem que a mãe de leite tem mais parte no filho porque é o primeiro leite que ele chupa, o primeiro sangue. Minha mãe contava que certa vez, um rapaz rico, fez malcriação a ama de leite, ela então disse, vomita meu leite  excomungado! O rapaz começou a vomitar o leite sem parar até que ela com pena disse, pode beber de novo, aí parou de vomitar e pediu perdão a ela.

Hoje eu tenho um filho de leite que é rico e não vem mais me visitar, dei leite para ele porque a mãe estava com o peito seco e mandou me buscar.Eu  não cobrava porque leite de peito não pode vender ,tem que dar, dei durante uma semana, a mãe foi botando no peito até poder dar”.

Já a benzedeira Tereza Maria Alves, de 57 anos, em entrevista ao trabalho monográfico de Alves e Dos Santos (2011), narrou que muitas mães a procuravam para providenciar  o livramento das  crianças. “Menino chegava aqui com o pé esquecido, com mal olhado, moleira aberta, saiam bonzinho”.

 Com um ramo de folhas,  era possível livrar os pequeninos de forças negativas, fazendo  orações poderosas. “Contra o quebrante, dor de cabeça, mau-olhado, afobação”.(Dos Santos 2011).

O trabalho destas mulheres, parteiras, ama de leite, benzedeiras e outros ofícios populares, mostra como a cultura e a vida de milhares de pessoas são moldadas pelo contexto que o cercam. Neste sentido, essa série que aqui se encerra, buscou valorizar as memórias das parteiras e registrar o trabalho destas pessoas comuns, nem sempre lembradas pela história oficial.

Fontes:

Dos Santos.Jonival Alves, Dos Santos. Eliomar Pires.O tratamento médico e as práticas populares em Teixeira de Freitas nas décadas de 1960 e 1970. Uneb 2011.

Foto: Pirão da mulher parida.

Daniel Rocha da Silva*

Historiador graduado  e Pós-graduado em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X.

Contato WhatsApp: ( 73) 99811-8769 e-mail: samuithi@hotmail.com

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Vejam também:

Mulheres parteiras em Teixeira de Freitas parte 01

Mulheres parteiras parte 02.

 

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