Por Daniel Rocha*

Este texto é a primeira parte de uma série de três que foi escrita a partir de pesquisa em revistas, livros, arquivos pessoais e relatos orais. Tem por finalidade informar e apresentar minha versão sobre a assistência hospitalar e o trabalho das parteiras na Teixeira de Freitas das décadas de 1960 e 1970.

Para entender a atuação das parteiras no povoado de Teixeira de Freitas, é preciso conhecer um pouco do contexto da região e do país nas décadas anteriores e das focadas neste trabalho. Sobre a realidade anterior escreveu o historiador Cláudio Bertolli Filho que em 1920, cerca de 90% dos brasileiros habitavam a zona rural. De acordo com ele, boa parte dessas pessoas  eram “ex- escravos e seus descendentes”, muitas vezes considerados pelos fazendeiros “preguiçosos, bêbados e doentes,” viviam do cultivo de pequenas roças, tinham pouco contato com as cidades e vilas próximas. Nessa situação ficavam expostos  a política dos coronéis. A agricultura constituía a base da economia.

Na década de 1950 a 1980, este cenário mudou com   as transformações  trazidas  pela migração urbana e novos investimentos em infraestrutura. Milhares de famílias deixaram o campo para viver em cidades, transformando a paisagem urbana. Sobre esse período os historiadores João Manoel Cardoso de Mello e Fernando  Novais afirmam que : “O estado foi construindo estradas de rodagem e criando alguma infraestrutura econômica e social (eletricidade, polícia e justiça, escolas, postos de saúde etc.) as cidades que foram nascendo ou revivendo na ‘marcha para o interior do Brasil’”.

Os autores destacam também que neste período o Brasil podia ser dividido em dois, um moderno e urbanizado, outro agrícola e rural. Nesse aspecto a Bahia se assemelhava à situação do país, a capital desenvolvia se livremente, enquanto em regiões mais distantes, como extremo sul não recebia investimentos na mesma proporção mantendo-se com características rurais enquanto a capital e seu entorno se urbanizava livremente.

Em 1967 a revista brasileira de estatística publicou o artigo, Panorama econômico – social da Bahia, de autoria do geógrafo Milton Santos, com uma análise detalhada da situação econômica e social do estado. Neste artigo o geógrafo destacou que 1962 havia no estado da Bahia apenas 7 .960 leitos hospitalares, sendo que 4. 679 estavam em Salvador. Durante os primeiros anos da década de 1960, a capital contava com 1. 163 médicos para um grupo de 551 moradores, no extremo sul a média era de 01 para 38 394.

Nesse panorama de precariedade, os leitos hospitalares eram inexistentes, enquanto no estado a proporção era de 1,32 por 1000 habitantes, no extremo sul não havia um sequer. Diante dessa realidade e contexto as prefeituras locais pouco podiam fazer. Essa limitação ficou evidente  no discurso de encerramento dos trabalhos legislativos da câmara de Alcobaça em 1955. Na sessão, o vereador Dr. José Nunes, presidente da Câmara Municipal resumiu os trabalhos da casa durante o pleito do prefeito Deolisano Rodrigues de Souza destacando as ações sanitárias  promovidas por ele durante o mandato.

Dentre as ações no campo da saúde, falou sobre a construção de um posto médico com a assistência diária de um enfermeiro e do Dr. Almiro Cerqueira uma vez por semana. Outro trecho do documento destacou a ação na vila de Medeiros Neto, onde o prefeito fez  criar o um posto médico que “que depois de funcionar durante dois anos a política diversa conseguiu mandar fechar”.

Se no município de Alcobaça a situação era difícil, a das vizinhas Caravelas  não parecia a melhor. Em 1965, graças a doações da ordem holandesa, CERIS, foi possível a construção do primeiro hospital em Caravelas. Segundo Frei Elias a casa de saúde foi construída  “sobre as bases abandonadas de uma velha construção que ninguém sabia se era do governo municipal, estadual ou federal”.

Em Porto Seguro e Eunápolis a situação era semelhante, pelo menos para os nativos da cidade de Coroa Vermelha. De acordo com denúncia dos jornalistas Ana Maria e Evandro Teixeira, enviados especiais do Jornal do Brasil, para cerimônia de inauguração do trecho Vitória – Bahia da BR- 101, em 22 de abril de 1973,  faltava médicos no posto de saúde da FUNAI  para  assistência aos nativos.

Em Teixeira de Freitas,BA, o primeiro o hospital construído foi o Sobrasa no ano de 1971, que  oferecia de início 200 leitos para internação dos conveniados ao seguro social. Quem não tinha carteira assinada, recorria à caridade, os farmacêuticos e curandeiros. No caso de estarem gestantes as mulheres sem vínculo empregatício recorriam às parteiras e à caridade católica que começaram atuar na cidade no início da década de 1970.

Em meados da década de 1970, as irmãs Viviane e Georgette começaram a atuar no povoado de Teixeira de Freitas.Como assistentes, as irmãs prestavam serviços  básicos como a realização de pré- natal e acompanhamento de crianças e triagem médica. Em 1972 o atendimento era feito no único posto médico da cidade improvisada na casa do Alcenor Barbosa.

Para além da assistência básica em saúde, a irmã de caridade Georgete, também promoviam cursos de formação e supervisão das parteiras e realizavam partos. Diante do exposto, é possível concluir que a maioria das mulheres do interior do município de Alcobaça e de Caravelas BA, da qual Teixeira de Freitas era parte,  não tinham fácil acesso a acompanhamento médicos nas décadas de 1960 e 1970 e vivenciavam as mesmas dificuldades da população rural das décadas de 1950. Isso porque não havia médicos e nem hospitais suficientes para atender a população, também não havia atendimento público organizado pelo estado para os não conveniados ao INAPS.  Contavam apenas com a caridade das irmãs católicas.

No próximo texto vamos conhecer alguns relatos sobre o trabalho das parteiras no povoado de Teixeira de Freitas.

Daniel Rocha da Silva*

Historiador graduado e Pós-graduando em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X.

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Fontes:

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Veja também:

Mulheres parteiras parte 02.

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