Por (Daniel Rocha)

“Gentil o que você viu? Na boca da mata eu vi um assobio….Gentil o que foi fazer lá? Pequei o meu laço pro boi eu laçar… Esses são versos de uma antiga música  cantadas pelos “bates tambor”, José Silva e “Cheirinho” na década de 1970 em Teixeira de Freitas, cidade do extremo sul da Bahia.

“Os bates tambor”, como o nome diz, eram aqueles que animavam os terreiros de candomblé. Conta um autêntico batedor conhecido como Cheirinho (em memória) que um procurado pai de santo, cuja casa ficava nas mediações do centro de Teixeira de Freitas da década de 1970, reconhecia sua habilidade e sempre o convidava para tal função.

Isso porque ele era daqueles que “varava” noite  a bater tambor sem parar e nem reclamar, o segredo de tanto vigor  estava no óleo do dendê que passavam na palma da mão para não deixar “juntar calos”.

Um outro exemplo  da presença desta cultura religiosa  no passado teixeirense é o causo narrado por uma senhora de 80 anos, que vamos chamar de Dona Dú, sobre uma visita inusitada a um terreiro no distrito de Duque de Caxias em meados da década de 1980.

O causo faz referência ao “sincretismo religioso” em uma festa de São Cosme e São Damião em uma época em que o  culto a esses santos era bem popular entre alguns moradores da localidade.  

Segundo conta, naquele dia 27 de setembro de um ano esquecido seria como outro qualquer no povoado de Teixeira de Freitas se não fosse o dia de São Cosme e São Damião, dia das crianças comer caruru e doces pelas ruas e bairros da cidade.

Dona Dú  narra que estava sem o que fazer quando a vizinha dona Antônia a convidou para ir com as crianças comer um caruru de “Cosme Damião” que seria servido na casa de um amigo no então povoado de Duque de Caxias.

Acredite ou não, ela e amiga foram caminhando de Teixeira de Freitas ao povoado para apreciar a conhecida iguaria. Lá chegando Dona Dú percebeu que não era só um caruru reservado às crianças e sim uma grande festa de terreiro  dedicada aos santos.

Lembrou que mais tarde, depois do caruru,  foi iniciado o ritual e à amiga Antônia logo entrou no ritmo induzida pelos sons e batuques dos bates tambor.  Como não fazia parte do terreiro e nem era adepta do culto, Dona Dú seguiu em um cantinho com os filhos ficou a observar a atuação dos guias.

Não demorou o candomblezeiro solicitar a presença dela dentro da   roda onde ocorria o ritual. Como ela hesitou, descrevendo e gestos e falas, o guia encarou bem no fundo dos olhos e revelou: “Suncê tem o corpo fechado. Suncê é fia de nossa senhora D’Ajuda.”

Conta que ao ouvir a fala do guia recordou histórias narradas pela mãe sobre o seu nascimento e parto  difícil,  que desesperada e acuada pela situação de risco a sua genitora contava que a   entregou a Nossa Senhora D’Ajuda que concedeu a graça e a salvação de imediato.

Emocionada teve a certeza que nossa senhora D’Ajuda ainda estava ao seu lado a protegendo como a mãe em promessa pediu. Dessa forma, sua fé na santa  que já era grande ficou ainda maior. Depois disso, ela e a vizinha, retornaram para suas casas inebriadas pelo culto. Cada uma com sua fé.

A pequena narrativa mostra que ao contrário do que se pensa o culto aos deuses africanos foi uma constante nas primeiras décadas de formação de Teixeira de Freitas. Sem registros conhecidos os causos narrados por moradores mais antigos se constituem, no presente, um acervo inestimável de contos preservados oralmente.

Dessa forma, pensar a memória afro-brasileira é pensar a memória, que não é valorizada como parte da história local. Registrar é o primeiro passo para dar visibilidade ao que estar silenciado nas páginas dos jornais, livros e revistas locais.

Fontes:

Conversa informal José Silva 2013.

Conversa informal com o morador que conheci pelo “Vulgo cheirinho”.2013

Conversa informal com  uma moradora que conheci pelo vulgo Dú.2013

Veja também:

Daniel Rocha

Historiador

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