Por Daniel Rocha
Nos anos 1980 e início dos anos 1990, a conquista de títulos de beleza, como o de Miss, era amplamente promovida como uma via de ascensão social, especialmente para mulheres jovens. A cultura midiática da época reforçava a ideia de que a beleza física era um instrumento eficaz para alcançar visibilidade e prestígio, seja em capas de revistas, jornais ou em eventos sociais, criando um discurso que associava a estética feminina ao sucesso e à boa posição social.
Na região do extremo sul da Bahia, os concursos de beleza eram eventos recorrentes e se proliferavam em diversas localidades. Escolas, cidades e comunidades rurais organizavam competições para eleger suas representantes em uma ampla gama de categorias: Miss escola, Miss cidade, Rainha do Milho, Rainha do Carnaval, além de eventos menores como a Garota Carinho e a Rainha da Gincana. Esses concursos funcionavam como rituais de consagração da feminilidade normativa e exerciam grande influência nas expectativas sociais das jovens.
Um exemplo concreto ocorreu em janeiro de 1986, quando o jornal *A Tarde* noticiou a realização do concurso “Garota Carinho” na cidade de Itamaraju, que elegeu Veruscka Carneiro como vencedora. Esse evento não só concedia o título de “mais bela” da cidade, mas também garantia à vencedora o direito de participar de uma etapa regional, ampliando a visibilidade de tais concursos na região.

Isolda em um Show de calouros
Teixeira de Freitas, cidade vizinha, também participou ativamente desse fenômeno de culto à beleza. Embora existam poucas fontes documentais que detalhem a frequência desses eventos, sabe-se que a cidade teve sua representatividade consolidada quando, em 1991, a jovem Isolda Vasconcelos venceu o concurso de Miss Bahia, marcando um dos momentos de maior destaque da cidade nesse circuito. Antes disso, Isolda já havia sido coroada Miss Estudantil em 1985, aos 12 anos, o que lhe conferiu notoriedade local.
Nascida em uma família de classe média, Isolda Vasconcelos encarnava os ideais femininos promovidos na época. Sua ascensão foi tão marcante que, em março de 1992, a revista *Regional Sul* destacou uma entrevista com a modelo, justificando sua publicação com o seguinte argumento: “atendendo às inúmeras solicitações de nossos leitores, fizemos uma entrevista com a bela Isolda”. Esse tipo de exposição reafirmava a centralidade dos concursos de beleza como eventos de legitimação social para as mulheres da região.
No entanto, o conteúdo da entrevista revela nuances que indicam uma ruptura com os estereótipos de sucesso e feminilidade que dominavam o imaginário social em torno dessas competições. Quando questionada sobre a carreira de modelo no Brasil, Isolda respondeu de maneira crítica: “Infelizmente, no nosso país, a profissão não está sendo valorizada. Digo isso pelo alto índice de prostituição que existe no meio. Hoje em dia, para ter um bom desempenho, é preciso se submeter a certas coisas, o que me decepciona um pouco”.

Isolda Vasconcelos
Sua fala expõe uma desilusão com a realidade da profissão, contradizendo a visão romântica de que o sucesso estaria ao alcance de qualquer jovem bela. Além disso, ao discutir seus planos futuros, Isolda destacou que pretendia cursar Economia, uma escolha que enfatizava a educação como caminho para a autonomia pessoal e profissional, em contraste com a ideia de ascensão baseada apenas na aparência.
Ao ser perguntada sobre o que recomendaria às jovens que sonhavam com a carreira de modelo, sua resposta foi igualmente pragmática: “Estudem muito e se preparem, não para viverem num mundo de sonhos, mas para serem fortes e dignas dentro da profissão.”
A postura de Isolda, ao não glamourizar os discursos que vinculavam a beleza ao sucesso, oferece uma perspectiva crítica que se choca com os estereótipos vigentes da época. Sua fala ecoa uma transformação social mais ampla, na qual as mulheres, especialmente aquelas oriundas de famílias de trabalhadores, começavam a direcionar seus esforços para a inserção no mercado de trabalho através da educação e da competência profissional, e não apenas por meio da conformidade aos padrões estéticos estabelecidos.
Esse período marca, assim, um momento de transição no imaginário social, no qual a beleza, embora ainda valorizada, começa a perder espaço para outras formas de realização e ascensão social, refletindo as mudanças nas aspirações das mulheres da classe trabalhadora na Bahia e no Brasil como um todo.
Fontes e Referências Bibliográficas:
DEL PRIORE, Mary. *Histórias Íntimas: Sexualidade e Erotismo na História do Brasil*. São Paulo: Planeta, 2011.
Revista *Regional Sul*. Teixeira de Freitas – Bahia, março de 1992.
LIMA, Evandro. *Festa Elegeu Garota Carinho: Os Melhores Momentos de um Repórter*. Salvador: Jotanesi, 1990.
“Isolda participa de programa de rádio.”
Foto publicada por Cley Brito no Museu Virtual de Teixeira de Freitas.
Foto: Isolda Carla – Revista.
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