Por Daniel Rocha 

Na década de 1950, o Brasil testemunhou a flexibilização da moral sexual, com casais não casados sendo cada vez mais aceitos em espaços públicos, assim como já ocorria em alguns ambientes populares e privados. No entanto, a sexualidade ainda era vista como pecado ou imoralidade por parte dos religiosos e conservadores. Essa visão gradualmente começou a mudar ao longo das décadas.

Uma carta escrita por uma mulher “anônima” e publicada em 1956 no jornal carioca Semanário oferece um vislumbre dos aspectos desse período no país. A carta, escrita como um desabafo, revela as mágoas de um amor fracassado e evidencia como algumas mulheres da época rejeitavam o papel de sexo frágil, assumindo o protagonismo ao encerrar um relacionamento que já não se sustentava. A carta dizia o seguinte:

“MEU CARO AMIGO: Eu gostaria que você acreditasse que aquele amor que eu lhe confessei, em carta e pessoalmente, com todas as ânsias, alegrias e falta de ar, era totalmente verdadeiro. Eu estava confiante em mim mesma e jamais poderia imaginar que algo aparentemente tão sólido fosse tão frágil: momentos de quase eternidade se tornaram sentimentos tão inconstantes.

Acredito que nenhum de nós é culpado por nada, e se há algo que falta a um de nós, falta a mim: perseverança. Ninguém ocupou seu lugar em meu coração, nem pessoas, nem coisas. Porém, esse amor morreu hoje, ou melhor, ontem, pois já passou da meia-noite. Sua (amiga…). P.S. “Gostaria que você soubesse que não bebi nada, nem ouvi Chopin antes de lhe escrever.”

Conforme Mary Del Priore relata em seu livro “Histórias íntimas – Sexualidade e erotismo na história do Brasil”, foi nas décadas de 1960 e 1970 que um número cada vez maior de pessoas começou a valorizar a ideia de que prazer e amor poderiam caminhar juntos, e as mulheres passaram a ter a “liberdade de desobedecer às normas sociais, parentais e familiares”, não mais sendo submissas a um modelo em que “os maridos davam ordens às esposas, como se fossem seus donos”.

Embora essas transformações não tenham ocorrido na mesma medida em todo o país, visto que nos grandes centros os modelos de sociedade e costumes eram influenciados por outros mecanismos, como o mercado de trabalho, as mudanças foram sendo disseminadas por meio de mídias escritas, cinema e televisão, que se tornaram grandes propagadoras de novos hábitos e estilos de vida.

Esse estilo de vida acabou se tornando a norma em uma nova sociedade que emergiu com o advento de uma nova política desenvolvimentista-capitalista nas décadas de 1960 e 1970 no país. Nesse período, pelo menos nos grandes centros urbanos, as reações das mulheres ao patriarcado já não eram mais associadas à embriaguez ou à loucura, entre outras coisas.

Por fim, a carta evidencia também que as transformações sociais e culturais do período não se restringiram apenas ao âmbito da sexualidade e dos relacionamentos amorosos. Ela revela a emergência de mulheres que buscavam uma autonomia e independência, que se recusavam a serem subjugadas e controladas por normas sociais restritivas.

Ao expressar suas mágoas e encerrar um relacionamento insatisfatório, a autora da carta demonstra uma postura de autodeterminação, assumindo o controle de sua própria vida e escolhas. Essa atitude desafiadora, contrapondo-se à visão tradicional de que as mulheres deveriam se submeter às vontades dos homens, reflete uma mudança profunda nas expectativas e valores da época.

Portanto, a carta não apenas revela as dores de um amor mal sucedido, mas também simboliza a resistência e a busca por uma liberdade individual que se tornariam cada vez mais evidentes nas décadas seguintes. Essas transformações sociais e culturais abririam caminho para a conquista de direitos e a luta por igualdade de gênero, moldando a sociedade brasileira em direção a uma maior igualdade e emancipação das mulheres.

Fontes

Jornal Semanário (RJ) 1956

PRIORE. Mary del. Histórias íntimas: sexualidade e erotismo na história do Brasil

Imagem meramente ilustrativa. Google.

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