Por Daniel Rocha*

Relata o  senhor Júlio Elias que, no início dos anos oitenta, sua  falecida esposa conhecida como Mocinha “quebrava o galho de muita mulher barriguda que não tinha onde ganhar neném”.

Boa parteira, além de “agarrar menino” indicava os melhores remédios caseiros “feito com folhas”. Dessa rotina lembra que na primeira vez que morou com a mulher em  Teixeira de Freitas, a esposa foi procurada por uma mulher  gestante desesperada para ganhar o bebê, pois, sem convênio com o INANPS -Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, não tinha como ser atendida pelo único  hospital da cidade.

Não era do seu feitio  da senhora parteira negar ajuda, por isso fez o parto da mulher que mais tarde migrou para o estado de São Paulo com a filha saudável. Enquanto isso, o Sr. Júlio e a esposa, Dona Mocinha, voltaram para o Caxangá, zona rural de Alcobaça, para passar uns tempos na casa da roça.

Anos depois,  chegou na roça  a grata mulher do parto com a filha já crescida procurando pela parteira. Segundo conta seu Júlio, após os cumprimentos a visitante explicou que a filha era uma menina saudável, mas desde o dia  que entrou na escola vinha apresentando problemas de cabeça.

“Tinha inteligência, mas nada guardava na mente. Os médicos não tinham ciência para curar” fez lembrar o contador de causo. 

Ainda conforme a narrativa, a mãe, que era  fiel de uma religião de matriz africana,  procurou um terreiro paulista na esperança de compreender o que vinha acontecendo e encontrar respostas e  lá ouviu dos “guias” que a única pessoa que poderia dar o livramento à filha era a mãe dela.

De início a mãe não compreendeu a mensagem do orixá representado e achou conveniente  procurar outro terreiro, ocorre que após consulta  ouviu a mesma coisa do terreiro anterior. Desesperada e  sem  visualizar uma solução para o problema,  a mãe foi em busca de outro conhecido pai de santo que conseguiu encontrar “um guia” esclarecedor da dúvida:

– “É a mãe de pega, a primeira a botar a mão “em riba” dela, por aqui ninguém cura”.

Esclareceu o ser espiritual que à “mãe de pega” era a parteira que tinha pegado a filha quando ela nasceu. Diante da afirmação, ela teria percebido então que a culpa não era dos outros orixás e sim “dos seus ouvidos que estavam tapados.”

De volta a Teixeira de Freitas procurou saber, pelos vizinhos, o novo endereço do casal e assim que obteve embarcou no ônibus em direção ao local. Quando chegou foi recebida com muito carinho e emoção. Depois, Dona Mocinha ouviu atentamente os motivos da visita da estimada amiga. 

” Minha mulher até brincou com ela…Disse que tinha virado crente, mas depois desmentiu sorrindo. Os guias orientaram que o remédio para cura do mal estava em um líquido orgânico do próprio corpo da menina”.

Conta que anos depois, Dona Mocinha recebeu uma carta que comunicava à cura da “filha de pega”, com agradecimentos dirigidos aos guias e a ela. 

 Pensar a memória afro-brasileira é pensar a memória, que não é valorizada como parte da história local. Registrar é o primeiro passo para dar visibilidade ao que está silenciado nas páginas dos jornais, livros e revistas locais.

Causos Narrado por Júlio Elias em 2012.

Daniel Rocha*

Historiador, Bacharel em Serviço Social, Pós-Graduado em Educação à Distância (EAD), Cinéfilo e blogueiro criador do blog Tirabanha em 2010.

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