Por Daniel Rocha

Onde ficava o lago que deu nome ao bairro Recanto do Lago? Segundo relatos não existia um lago, mas sim uma represa que se chamava “Represa do Córrego Charqueada” que era mais conhecida como “Represa do Jacarandá”. 

A barragem que ficava localizada no vale que fica atrás do Clube, no Bairro Recanto do Lago, foi construída no início da década de 1970 e destruída no início da década de 1990, provavelmente em 1991.  

Enquanto existiu, segundo relato de alguns moradores, a represa que deu nome ao bairro, foi   um lugar onde ocorreu inúmeros afogamentos, desova de corpos, tragédias com vítimas e intensas interações sociais.   

Segundo Walfrido de Freitas Corrêa, antigo proprietário da terra onde foi construída a barragem, a construção da represa aconteceu na década de 1970 depois que ele vendeu parte da sua propriedade que ficava localizada próximo a área onde anos depois foi construído o Clube Jacarandá. De acordo com ele, por essa razão, a barragem teve o nome associado ao espaço de lazer privado. 

De acordo um estudo da CEPLAC, Comissão executiva do Plano da lavoura Cacaueira de 1974, no ano da suposta construção da barragem, o Córrego Charqueada foi considerado como uma das alternativas viáveis a criação de um reservatório de água para o abastecimento do então povoado de Teixeira de Freitas. Embora não tenha no estudo nada relativo à represa é possível supor que o represamento ocorreu no contexto desta pesquisa. 

Considerando esta hipótese, como não foi usada para estes fins, a represa cujo o acesso era livre, serviu por aproximadamente 21 anos a população das redondezas como um local para realização de atividades domésticas e lazer, era procurada constantemente por trabalhadores, moradores e pessoas de outros bairros para banho, pesca e mergulho. 

Com o tempo um elevado número de afogamentos também popularizou o lugar como um endereço temido por pais e moradores do bairro. Isso porque estudantes de escolas próximas também a frequentavam durante a semana quando matavam aula para se divertir.  

Nesse espaço de tempo, trabalhadores, pessoas de baixa renda e moradores do bairro foram as principais vítimas da profundidade e correnteza da represa, lembrou Gilberto Bandeirante, um antigo morador da cidade que afirmou que o lugar também era frequentado por meliantes e criminosos. 

Evitando o assunto, o antigo morador que chegou na cidade no início da década de 1970, contou que o lugar era um conhecido ponto de “desova de corpos de vítimas de criminosos e pistoleiros que atuavam na cidade e região.”  

Ainda de acordo com ele, foi o afogamento de um rapaz muito conhecido e os constantes comentários sobre práticas criminosas, que motivou a demolição da barragem em 1991. Ainda conforme relatou, depois que “esgotaram a represa” diversas ossadas humanas foram encontradas no fundo da icônica barragem. 

Perspectiva e narrativa que difere ao relato contado pelo morador Sebastião Justiniano que cita o afogamento do jovem “Cavaco”, trabalhador braçal muito popular, cujo corpo foi encontrado após uma busca de cinco dias, como um dos motivos que levaram a “estourar a represa.”  

Segundo conta, prevendo que outras tragédias assim ocorreriam com outros moradores, estudantes e trabalhadores, um grupo de frequentadores decidiram furar a represa através de uma pequena abertura na lateral da mesma, fazendo uso de força braçal e picaretas. 

Em relação ao relato das ossadas humanas encontrada no lugar após o esvaziamento, Sebastião discordou da versão afirmando que “a única coisa suspeita vista foi um fio de energia amarrada a uma pedra ligando a algo muito soterrado pela lama” e que andou por toda extensão do vale após o esvaziamento e não encontrou nada além de restos de animais e madeira.  

Se de fato ocorreu, como lembra os moradores em conversas informais, o esvaziamento aconteceu no contexto do desaparecimento do radialista Ivan Rocha, em 1991, quando uma intensa procura pelo corpo, nunca encontrado, ocorria em todos os lugares suspeitos na cidade.   

Naquele ano de 1991, o radialista Ivan Rocha, 34 anos, havia denunciado pelas ondas da Rádio Alvorada que tinha em mãos um dossiê sobre as atividades de um “sindicato do crime na região” e desapareceu para sempre depois disso, acontecimento que foi associado a existência na denúncia de nome de políticos conhecidos na cidade e de autoridades do Estado. Dito isso, é possível supor também que o desaparecimento tenha motivado o fim da represa e influenciado às conclusões populares sobre os motivos. 

Sobre o rompimento da barragem, Walfrido Corrêa, o antigo proprietário do local onde foi construída a represa, contou em forma de “causo” que o rompimento causou a morte de uma moradora. Segundo narrou ao colaborador Domingo Cajueiro Correia, uma jovem que lavava roupas nas margens do córrego Charqueada, nas proximidades do bairro São José, foi levada pela força da água liberada pelo rompimento. 

Arrastada pela força das águas, o corpo da trabalhadora rural ficou por três dias desaparecido. Para encontrá-la foi preciso a família recorrer a uma simpatia antiga que consistia em colocar no córrego uma cuia com uma vela acesa que, seguindo o curso, encontraria o corpo no local exato onde estava boiando. Algo que de fato ocorreu. 

Por fim, embora os relatos e perspectivas que embasam o texto referente à represa careçam de mais detalhes, as informações e relatos preliminares permitem concluir corretamente que enquanto esteve em atividade a represa estabeleceu uma relação aglutinadora com a realidade social, política e cultural de uma parte da população no período relatado, tanto que denominou o bairro próximo que surgiu no período de sua construção e popularização. 

Fontes 

ROCHA FILHO. Carlos Armando. Comissão executiva do plano da lavoura cacaueira . Recursos Hídricos. Rio de Janeiro. CEPLAC, 1976. 

Relatório final da CPI da “Pistolagem”.Câmara dos Deputados. Centro de Documentação e Informação, Coordenação de Publicações, 1994 – 156 páginas.

Crimes por encomenda: violência e pistolagem no cenário brasileiro. César Barreira

Relume Dumará, 1 de jan de 1998 – 178 páginas

Fontes orais: 

Relatos de Walfrido Corrêa captado pelo memorialista e colaborador do site Domingos Cajueiro Correia. Setembro de 2019.

Conversa informal com Gilberto Bandeirante. Julho de 2019.

Conversa informal com Sebastião Justiniano. Junho de 2019

Foto: Acervo

Daniel Rocha da Silva*

Historiador graduado  e Pós-graduando em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X.

Contato WhatsApp: ( 73) 99811-8769 e-mail: samuithi@hotmail.com

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