Por Lizete Caires*

Na conversa com D. Maria do Rosário e D. Maria Antônia, indaguei sobre a existência de Festas que foram realizadas na Comunidade. Segundo elas, a comunidade recebia os Festeiros da Festa do Divino (festa religiosa católica que acontece anualmente).

Segundo a descrição do site da Biblioteca Nacional (2020): “No ritual da festa estão as novenas, as folias, a cavalhada (onde ritualmente, os mouros enfrentam os cristãos e depois se confraternizam) a celebração da coroação do Imperador e a solenidade de soltura do preso pelo Imperador, a realização do almoço comunitário, a distribuição de doações aos necessitados e os festejos na praça. A festa é um ritual de renovação da fé. Não à toa, a bandeira do Divino é chamada de bandeira da promessa. O Divino é identificado como o santo da cura, da consolação e da misericórdia. Sua festa instala simbolicamente o império comunitário, que centraliza ritualmente a redistribuição de bens pela comunidade. A Festa do Divino é a celebração da comunidade solidária, do pertencimento pela tradição e a fé”.

Outra festa que passava pela Comunidade Rural Fura Coco era a Festa de São Benedito (festejos que acontecem anualmente em homenagem ao Santo Benedito)). São Benedito é um Santo católico. Ele é de origem africana, filho de etíopes escravizados na Europa e nascido na Sicília, Itália, em 03 de abril 1524.

Segundo Lira (2021) Um desses santos mais populares no Brasil é São Benedito, o qual é celebrado de norte a sul do país. A devoção dos escravos, no Brasil Colônia, tinha no Santo um defensor poderoso com grande popularidade e com características semelhantes: cor negra, humildade, penitência e sempre pronto a servir.

Ainda segundo a mesma pesquisadora: As festas religiosas, uma das principais manifestações de devoção aos santos católicos, no Brasil acontecem o ano inteiro, arrastando milhares de fiéis, através dos ritos de romarias e procissões para homenagear seus santos de devoção, pois a religiosidade ainda é um dos traços mais evidentes na cultura brasileira (p.03)

Segundo Pereira (2016). As festas constituem-se enquanto um tipo de ação social coletiva que, no calendário anual de uma dada sociedade, é prevista, previsível e repetida. Sendo também um espaço social e um tempo social extraordinários onde ideias e valores se tornam mais nítidos e perceptíveis que em outras situações sociais ao serem festejados pelo conjunto de indivíduos de uma dada sociedade (p.31)

Estes Festeiros saiam das cidades e comunidades vizinhas passando aqui na Comunidade Fura Coco, que era ponto de parada desses Festeiros ou Esmoleiros, assim chamados por alguns moradores da Comunidade. Segundo

Pereira (2016) apud Costa (1999: 154):A doação de esmolas possibilita aos devotos concretizarem coletivamente um sistema de prestações totais – a retribuição necessária no contrato de obrigações mútuas, estabelecidas entre o mundo sagrado e o mundo profano e no interior deste entre os homens que o compõem. Por meio do santo, os homens continuamente reafirmam os compromissos sociais que propiciaram organizarem essa coletividade específica, cuja trajetória histórica é comum a todos e que ultrapassa a comunidade dos devotos do santo (p. 35).

Eles romeiros festejavam principalmente na Casa do Sr. Benedito Cantidio dos Santos (Conhecido como Sr. Bule) hoje um senhor de mais de 90 anos (94 segundos alguns moradores, outros dizem que ele tem mais idade), que vive na comunidade Fura Coco.

O Sr. Bule é viúvo, pai de quatro (04) filhos: uma filha que vive em Alcobaça, outra filha que vive em Teixeira de Freitas, uma outra filha que o Sr. Bule não sabe o paradeiro de um filho que vive com ele no sítio O Sr. Bule é primo do esposo da D. Maria Antônia, é muito ativo, faz suas roças onde planta amendoim e mandioca. O amendoim que ele produz, torra e vende nas cidades vizinhas de Prado e Alcobaça. Segundo D. Maria do Rosário, essas festas não acontecem há mais de 02 ou 03 anos, onde os entrevistados não souberam precisar o porquê a festa não estava acontecendo mais.

Em conversa com a Sra. D. Maria Antônia, filha do Sr. Benedito Lucindo dos Santos e irmã de D. Maria do Rosário, ela relatou parte da sua história. D. Maria Antônia tem 79 anos e veio para a comunidade juntamente com seu pai, seus irmãos e seu esposo, Benedito dos Santos Talher e parte dos filhos, há quase 40 anos atrás, os filhos mais novos dela nasceram aqui na comunidade. Na porção de terra de propriedade de D. Maria Antônia mora com ela, parte dos filhos e netos.

Os filhos de D. Maria Antônia vivem perto dela, uns morando ao lado de sua casa (dentro da propriedade) e outros em Prado. Sua família também produz alimentos derivados da mandioca e vendem seus produtos também nas feiras das cidades vizinhas. D. Maria Antônia é uma integrante da comunidade que traz em sua gênese o senso de Comunidade. Ela doou o local em sua porção de terra para a construção da Igreja Católica e para a abertura de um poço artesiano que irá beneficiar toda a comunidade com água potável.

A comunidade, em sua boa parte, pratica a religião católica e desde do início do convívio dos moradores nessa região. Eles (moradores) realizavam as celebrações da religiosidade em locais escolhidos pelos religiosos até a construção da Igreja Católica local. Na propriedade da Sra. D. Maria Antônia foi construída uma Igreja Católica, onde o terreno foi cedido por ela para a construção da mesma. A D. Maria Antônia e a comunidade também ajudaram na construção da Igreja. O Santo Padroeiro da Igreja é São João, mas D. Maria Antônia queria que fosse Nossa Senhora Aparecida, porque era sua Santa de devoção. Mas o padre afirmou que já existiam outras Comunidades com essa Santa como Padroeira no município.

Em homenagem a São João, a comunidade realiza a Festa junina todos os anos, sendo uma festa bem requisitada pela comunidade. D. Maria Antônia é a anfitriã principal da Festa, que acontece em frente a sua residência, uma vez que a Igreja também fica em frente a sua moradia. Ela brinca, solta fogos, festeja com muita alegria e entusiasmo. Inclusive, ela se considera a moradora e devota do Santo que mais solta fogos na comunidade nesse período junino. A D. Maria Antônia é uma senhora bem ativa e vivaz, demonstra uma sabedoria nata de alguém que já viveu muito e tem muitas histórias para contar.

Segundo ela, durante toda sua vida ela não realizou festa de aniversário, mas fez uma promessa a Deus, se ela chegasse aos 70 anos faria uma grande festa. E assim Deus permitiu, ela fez uma grande festa para comemorar essa data especial, houve 02 dias de festa e a região toda ficou sabendo, ela comentou que recebeu tanta gente na sua casa que ela nem conhecia, vieram até os prefeitos das cidades vizinhas de Prado e Alcobaça.

Segundo D. Maria Antônia, antes da construção da Igreja, eles (os moradores) rezam as ladainhas, missas, cultos, ofícios embaixo das árvores (pés de manga e nas áreas das casas), praticavam seu catolicismo de forma constante e sem interrupção. Como os padres começaram a visitar a comunidade, houve a intenção de construir a Igreja, intenção essa que foi concretizada com a ajuda da comunidade.

Estudar as comunidades rurais em nosso país e na região do Extremo Sul da Bahia faz-se necessário devido a vários fatores como: a contribuição dessas comunidades para a economia local; a relação dessas comunidades com o solo; a relação dessas comunidades com as monoculturas que cercam suas áreas; sobre as políticas públicas que auxilia e contribui para o crescimento da agricultura familiar; sobre a contribuição das instituições públicas e privadas no incentivo e treinamento destinado aos trabalhadores sobre o uso sustentável e manejo do solo e dos demais recursos naturais disponíveis nessas comunidades, etc.

Referências:

Biblioteca Nacional. A festa do Divino. Disponível em: https://www.bn.gov.br/acontece/noticias/2020/05/festa-divino. 2020. Acessado em: 18-08-2021.

PEREIRA, Pedro Henrique Gomes. A FESTA DE SÃO BENEDITO RITO E SOCIABILIDADE EM UMA COMUNIDADE NEGRA. UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS. DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA. Brasília, 2016. Disponível: 

https://bdm.unb.br/bitstream/10483/15557/1/2016_PedroHenriqueGomesPereira_tcc.pdf. Acessado em: 18-08-2021.

LIRA, Lucia Maria Barbosa. AS CIDADES AMAZÔNICAS E A DEVOÇÃO A SÃO BENEDITO. REH- REVISTA EDUCAÇÃO E HUMANIDADES e-ISSN 2675-410X. Volume II, número 2, jul-dez, 2021, pág.394-424. Universidade Federal do Amazonas. Disponível em: file:///C:/Users/35/Downloads/8552-Texto%20do%20artigo-23665-1-10-20201212.pdf. Acessado em 18-08-2021.

Lizete Caires Barros Martins* 

Graduada em História pela Universidade do Estado da Bahia -Uneb. Bacharelada  em Serviço Social pela Universidade Pitágoras Unopar. Pós-graduada em Gestão e Organização da Escola pela Universidade do Norte do Paraná-Unopar. Graduanda em Pedagogia pela Universidade do Norte do Paraná-Unopar. Professora da Rede Municipal de Ensino de Teixeira de Freitas e Medeiros Neto Bahia.

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