Na segunda metade do século XX, entre as décadas de 1950 a 1980, a maioria das mulheres que viviam em áreas rurais do município de Alcobaça, incluindo aquelas do povoado de Teixeira de Freitas, na Bahia, não tinham acesso a serviços de saúde pública ou atendimento médico durante a gravidez. Em vez disso, elas eram atendidas por mulheres da família ou comunidade que formavam uma rede de assistência para acolher a mãe e os recém-nascidos.
Dessa maneira, era comum a presença de amas de leite, benzedeiras, irmãs e filhas mais velhas que auxiliavam no cuidado das gestantes e de seus bebês. Em um encontro informal ocorrido no ano de 2013 e 2014, conversei e registrei diversos relatos dessas mulheres mães e auxiliadoras de outras mulheres que foram publicados aqui no site.
Como os relatos de Vitória Rodrigues, então com 78 anos, e residente da cidade desde 1970, compartilhou uma experiência pessoal, relatando que durante a sua primeira gravidez, sentiu que estava prestes a “dar à luz” e pediu ao seu esposo que buscasse a parteira Isaura, moradora da região do bairro Redenção, que a parteira demorou chegar e quando chegou, o menino já havia “nascido sozinho”. Dos seis filhos que teve, três nasceram dessa forma, sem assistência.
Já Maria José ( em memória), de 73 anos, que cresceu na zona rural de Alcobaça em uma fazenda próxima, afirmou que os cuidados com a gestante se intensificavam no dia do parto desde as primeiras horas, quando a parteira estava por perto. Quando distante, cabia ao marido buscar a parteira.
Como não havia telefone, ele precisava bater na porta da parteira e chamá-la. “Nem sempre dava tempo”, afirmou. Ela recorda que um dos seus filhos nasceu enquanto ela estava sozinha e ela só o segurou para evitar que caísse no chão. Quando o marido chegou com a parteira, o bebê já havia nascido.

Contudo, quando chegava a tempo a parteira fazia a diferença, lembrou Maria Antônia Conceição Pereira, que nasceu e cresceu na fazenda “Floresta”, uma “roça” a dois quilômetros do Batalhão de Polícia da cidade, às margens do Rio Itanhém, onde a família vivia da pesca, agricultura e caça, que ao ficar grávida do primeiro filho em 1973, procurou de imediato a assistência da parteira Maria de Lourdes Cajueiro Correia, que era solicitada em várias partes do povoado, que já tinha acolhido durante o nascimento de seus outros 12 filhos.
“Quando eu começava a entojar eu já a procurava ela e falava, comadre Lourdes, eu estou cheia, quando eu percebi a gravidez eu passava logo para ela. Dona Maria fazia o acompanhamento a partir daquele dia, orientava que não podia pegar peso, agachar arriscando posição e também com o banho e chá de remédio do mato e outros cuidados. No dia que era para ganhar o menino ela dizia, mãe não precisa ficar nervosa, falava com uma calma e paciência que fazia a gente ficar melhor, tinha aquele maior carinho com a gente não é como os médicos e enfermeiros que tem hoje que não tem carinho.”
Em famílias numerosas, as mulheres próximas cuidavam da gestante, cabendo à parteira apenas o parto. Segundo Marinalva Rocha, de 60 anos, a mãe instruía os demais membros da família, tias do futuro bebê, a preparar o pirão da mulher parida, um alimento importante para o resguardo, que incluía ainda “não molhar a cabeça nem ter relações sexuais em períodos determinados”.
Sobre isso recordou Maria Neuza, de 65 anos, além do pirão era importante também servir a famosa temperada, bebida misturadas com ervas de propriedades medicinais. A temperatura para gestante era dosada na hora do pirão “uma “dosezinha” para descer o suor” e para o visitante “não havia restrições”.

Maria José não esqueceu de acrescentar que, outro perigo para as mulheres “paridas” era o de engravidar antes de terminar de amamentar, ela que o leite ficava “choco” e o bebê desnutrido e sem forças para ficar em pé.
Nestes e outros casos era aconselhado procurar a ama de leite, mulher que amamenta criança alheia quando a mãe natural está impossibilitada de fazê-lo ou com leite suficiente para sustentar duas crianças, que no passado do país foram conhecidas como a “mãe preta”. Conta Vitoria Rodrigues, que relatou em 2014 que tinha “mais filhos de leite do que dela mesma”, pois, na década de 1970, em Teixeira de Freitas, sempre era solicitada quando a mãe de um recém nascido não tinha leite suficiente ou nenhum:
“Dizem que a mãe de leite tem mais parte no filho porque é o primeiro leite que ele chupa, o primeiro sangue. Minha mãe contava que certa vez, um rapaz rico, fez malcriação a ama de leite, ela então disse, vomita meu leite excomungado! O rapaz começou a vomitar o leite sem parar até que ela com pena disse, pode beber de novo, aí parou de vomitar e pediu perdão a ela. Hoje eu tenho um filho de leite que é rico e não vem mais me visitar, dei leite para ele porque a mãe estava com o peito seco e mandou me buscar.Eu não cobrava porque leite de peito não pode vender ,tem que dar, dei durante uma semana, a mãe foi botando no peito até poder dar”.
Já a benzedeira Tereza Maria Alves, de 57 anos, que atendia no bairro Recanto do Lago, em entrevista ao trabalho monográfico de Alves e Dos Santos (2011), narrou que nas décadas citadas na cidade muitas mães a procuravam para providenciar o livramento das crianças. “Menino chegava aqui com o pé esquecido, com mal olhado, moleira aberta, saiam bonzinho”.
Segundo seus relatos, com um ramo de folhas, era possível livrar os pequeninos de forças negativas, fazendo orações poderosas. “Contra o quebranto, dor de cabeça, mau-olhado, afobação,” males de outra natureza não perceptível para medicina ainda hoje repreendida pelas práticas populares. Por essa prática e assistência, tanto a benzedeira, as parteiras, amas de leite e tias, se tornavam mãe de consideração, madrinhas para um toda vida, como ainda ocorre hoje em outros contextos e espaços.
Por fim, o labor exercido por mulheres nos ofícios de parteiras, amas de leite, benzedeiras e demais profissões populares evidencia de forma contundente como a cultura e a existência de inúmeras pessoas são forjadas pelo contexto que as circunda. Diante disso, tais atividades merecem ser reverenciadas, especialmente em ocasiões emblemáticas como a comemoração do Dia das Mães.
Afinal, tais mulheres foram responsáveis por desempenhar um papel crucial na sociedade ao oferecer cuidados e atenção às gestantes, lactantes e demais indivíduos que necessitavam de sua assistência. Em suma, a valorização dos relatos dessas práticas tradicionais se mostra fundamental para a preservação da memória e identidade cultural de nossa sociedade e do papel fundamental das mulheres, pilares importantes das comunidades e da história do extremo sul da Bahia e de todo o país.
Fontes e Referências:
Mulheres Parteiras – Parte final
Dos Santos. Jonival Alves, Dos Santos. Eliomar Pires.O tratamento médico e as práticas populares em Teixeira de Freitas nas décadas de 1960 e 1970. Uneb-X. 2011.
Foto da capa: Mulheres na zona rural de Teixeira de Freitas, décadas de 1950. Acervo Dep. de Cultura. Pesquisado em 2016.
Daniel Rocha da Silva*
Historiador graduado e Pós-graduado em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X.
Contato WhatsApp: ( 73) 99811-8769 e-mail: samuithi@hotmail.com
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