Por Daniel Rocha.

A enchente do rio Itanhém em dezembro 1968 atingiu algumas cidades do estado de Minas Gerais, no vale do Jequitinhonha, e em alguns municípios do extremo sul baiano. No povoado de Teixeira de Freitas a cheia de 1968 deixou diversos estragos como estradas bloqueadas, pontes e plantações destruídas. O texto a seguir foi escrito a partir de entrevistas e conversas informais sobre o assunto com moradores antigos.

Não foi possível confirmar todas as informações passadas. O texto estar de acordo com as perspectivas e as definições das pessoas ouvidas. O objetivo deste texto e preservar a memória dos que vivenciaram dificuldades, a fim de informar as gerações vindouras os desafios enfrentados pelos moradores nas primeiras décadas de formação da cidade.

A enchente  do rio Itanhém de 1968  no povoado de  Teixeira de Freitas.

Segundo José Sérgio, da fazenda Cascata, em entrevista em maio de 2013, a “primeira” ponte sobre o rio nesta parte da região foi erguida na década de 1950  pelo seu avô Quincas Neto em parceria com o prefeito de Alcobaça, Antônio Simplício de Barros. Depois de facilitar o acesso ao litoral a ponte foi destruída por uma forte enchente no início da década de 1960.

Segundo Zé Sérgio à ponte suportou a água mas não a vegetação chamada de Baronesas que acumulou em excesso sobre as bases da ponte de madeira que não resistiu a pressão. No lugar uma segunda de concreto foi construída pelo  Departamento de Estradas e rodagens da Bahia (DERBA), o primeiro órgão público  a fixar no então povoado de Teixeira de Freitas.

Porém o destino desta foi o mesmo da primeira, teve a estrutura levada pelas águas do rio Itanhém em 1968 que levou a ponte mas não destruiu  a crença de que a modernidade e o conhecimento avançado dos engenheiros domaria a natureza selvagem do rio.

Por essa razão o já precário tráfego da região ficou prejudicado. O grande o volume d’água não assustava os canoeiros que mesmo assim sentiram diferença diante do grande volume de água vindo das terras mineiras. Os motoristas que de costume transitavam pela ponte destruída ficaram impossibilitados de acessar o litoral  e o povoado.

Afim de amenizar os transtornos, uma balsa foi providenciada para fazer a travessia de pessoas e carros, como mostra a foto que ilustra o texto. Os estragos da enchente não pararam por ai, os moradores ribeirinhos também tiveram que se deslocar das margens do rio para não ser engolidos pelo sinistro volume, lembra Ivanildo Ivo do Nascimento que nasceu na fazenda Nova América  no ano de 1938, em entrevista ao colaborador Domingos Cajueiro Correia em Novembro de 2013.

“Enchentes desta proporção  inundava a estrada da Prainha, propriedade da família, os moradores eram obrigados a mudar para a parte mais alta da fazenda. Graças a Deus não houve mortes provocadas pelas águas. A gente via muitos animais boiando, móveis e muita vegetação do rio como a Baronesas sendo arrastada”.

Contou que naquela época trabalhava na construção da ponte sobre o rio Itanhém no trecho da BR-101 que estava sendo aberta e passava pelo povoado. A ponte já estava pela metade e assim como a da Cascata, foi destruída pela pressão da enchente. Falando sobre a enchente o Sr. Isidro Alves, morador da zona rural desde 1930, assim manifestou: “Transformou as terras divididas em uma só perante as águas”.

Recordou que a cheia do rio inundou diversas roças de cacau, deixando uma enorme prejuízo para os agricultores. De acordo com informações do mineiro Almir Santos, morador da cidade desde ano de 1968, a destruição da ponte e lavouras, não foram as grandes perdas observadas, um carro da marca Rural caiu no rio durante a travessia feita em uma balsa que não suportou o peso do automóvel e virou sem dar tempo aos passageiros.

O acidente vitimou três crianças e uma mulher que viajavam no carro. O senhor Libânio da Conceição que tem 70, recordou do fato, para ele o acidente aconteceu no local da ponte próxima a fazenda Cascata e foi causado pela cheia do rio, pois assim que ponte foi levada providenciaram de imediato a balsa chamada pelos populares de “flutuante”.

Na versão dele morreram no acidente uma mulher que trabalhava como empregada doméstica e duas crianças. Recorda também que na enchente era possível ver móveis diversos e animais mortos passado pelo rio, afirma que foi a maior cheia que já presenciou.

“Um sobrinho meu foi puxado pelas águas por duas léguas, até que conseguiu agarrar em galhos dos matos e se salvou. O acidente do “jipe” deixou todo mundo assustado porque ninguém tinha o costume de ver essas coisas”.

Completa dizendo que o rio não fez mais vítimas porque um helicóptero da FAB (força aérea Brasileira), que falamos no texto anterior, passou “voando baixinho sobre o rio” pedindo através de auto – falantes para os ribeirinhos saírem das margens, porque muita água ainda estava por vir.

O acidente foi lembrado com menos detalhes por Alaíde Bonjardim e Marli Gomes ao trabalho monográfico, Cinema – Contribuições no Processo de Formação da Sociedade de Teixeira de Freitas nos anos de 1960, 1970 e 1980.

Elas contaram que a tragédia assustou o povoado de Teixeira de Freitas e vitimou três crianças que viajavam com o pai que escapou com vida. As entrevistadas não associaram o acontecimento a cheia do rio. Como se viu em texto anterior, o jornal O estado de São Paulo noticiou que a febre tifoide, doença infectocontagiosa causada pela ingestão de água contaminada, ameaçava as cidades atingidas.

Segundo o senhor Libânio não houve aumento de casos de febre tifo , o grande problema foi o aumento da febre “sezão”, como era conhecida a malária. Para Ivanildo Ivo,em entrevista a Cajueiro Correia, os casos de tifo não provocaram susto ou desespero a população ribeirinha porque já faziam parte da rotina local.

“Na região sempre houve registros de tifo e malária. Agente tratava a tifo com chá de cipó parreira, goma de Maria de sol, a malária com chá de quina amarela, madeira de cor rosa ou amarela.”

Segundo os entrevistados depois desta cheia, outras como a de 1969 deixaram marcas, mas nenhuma se compara com a de 1968. Para o senhor Libânio da Conceição este tipo de tragédia ocorre devido a desobediência do homem com as coisas de Deus.

A de 1968 não sabe dizer a causa, mas a de 1969 foi provocada por um deboche de um morador do Racho Queimado, que colocou uma moeda de um mil “réis” no caixão de velho senhor que havia morrido de doença.

” Vou colocar uma moeda de um mil rés no seu caixão, para você pedir uma chuva a São Pedro. Mal terminou de enterrar para o vento e o granizo vir destruindo tudo em resposta a descrença do homem”.

O pequeno causo revela uma das crenças da época que tudo era uma questão divina. No próximo texto, o rio Itanhém ofertava aos moradores do povoado diversos tipos de de peixes, porém a pesca foi proibida em alguns casos por pecuaristas e latifundiários que compraram terras na região.

Fontes Orais:

Benedito Libânio da Conceição,22/01/14. Isidro Alves do Nascimento 06/01/14. Ivanildo Ivo do Nascimento 11/2013. José Sérgio 05/13. Estes entrevistados são membros de famílias que moram na região desde antes do surgimento da cidade.

Almir Santos.05/2013.

Foto: Porto da Fazenda Cascata. Osair Nascimento. Acervo do Departamento de Cultura de Teixeira de Freitas.

Veja também:

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